Entrevista no Jornal Evangelho em Ação

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Educação dos Sentimentos: Vivência do Amor - Setembro de 2008

Jornal: Há quanto tempo o senhor milita na Doutrina Espírita?

Gilson Teixeira Freire (Gilson): Eu tive a felicidade de nascer em um lar espírita. A minha mãe exercia a mediunidade e o meu pai era tesoureiro de uma casa espírita quando eu nasci, em Lavras, MG. Fui criado dentro da doutrina e com cerca de doze anos eu já tinha lido O Livro dos Espíritos, freqüentava estudos evangélicos de pré- mocidade e mocidade. De modo que sou imensamente grato à vida pela benção de militar na doutrina desde a mais tenra idade.

Jornal: Em quais atividades o senhor está envolvido junto à Doutrina Espírita?

Gilson: Atualmente a nossa maior tarefa consiste nos trabalhos da psicografia e na tarefa de palestras. Fazemos estudos, seminários e exposições de temas doutrinários, os mais diversos. E trabalhamos ativamente na psicografia de obras espíritas, no Grupo de Fraternidade Espírita Irmão Vitor, que fica aqui em Belo Horizonte, no Padre Eustáquio. Trabalho que exercemos desde 1980, quando iniciamos com orientações espirituais, mensagens, e a partir de 1997, começamos então a psicografar algumas obras.

Jornal: O amor é o sentimento por excelência. Mas ainda é um sentimento incompreendido por muitos. Como diferenciar o amor da paixão?

Gilson: Realmente o amor é o cimento do Universo. É o sentimento que o Criador dotou a criação na sua máxima expressão. Sem o amor não há evolução, sem o amor não se faz perfeição. A paixão, embora vista por muitos como um sentimento até certo ponto positivo, consiste numa alteração do amor verdadeiro. O amor verdadeiro não exige, o amor verdadeiro doa, a paixão, pelo contrário, exige. Além isso, a paixão impõe sofrimento e martírio. Portanto a paixão é um amor perturbado. A não ser evidentemente que se trata de uma paixão pelo bem, que é um verdadeiro amor.

Jornal: A proposta triangular de Jesus é uma das mais belas que existe em toda a História da Humanidade: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao teu próximo como a ti mesmo”. Para amarmos a Deus e ao nosso próximo é imprescindível amarmos a nós mesmos. Como identificar a linha limítrofe que existe entre o auto amor e o egoísmo?

Gilson: É um tanto quanto complexo esse assunto evidentemente. Somos obras divinas, cada um de nós compomos uma parcela do Criador, portanto somos sagrados. E como tal, devemos amar a nós mesmos, como filhos de Deus que somos. O grande segredo entre o limite ao amor a si mesmo e ao outro reside na igualdade. O princípio evangélico, enunciado como a maior de todas as leis, não nos pede amar mais aos outros do que a nós mesmos, nem mais a nós do que ao outro, evidentemente. Mas, pede-nos, sim, uma perfeita igualdade: amarmos ao outro como amamos a nós mesmos. Portanto nos colocamos numa situação de equilíbrio perfeito. Amar tanto o outro quanto a mim e, conseqüentemente, tanto a mim mesmo quanto ao outro. Nossa felicidade na vida consiste em viver segundo esse sinal de igualdade. Com facilidade, amamo-nos muito mais do que ao outro, porém, muitas vezes também nos denegrimos, nos rebaixamos, nos diminuímos em relação ao outro, como se isso fosse uma virtude evangélica. Mas Jesus nos pediu a igualdade, onde exatamente está o equilíbrio da Lei. Então de fato precisamos do nosso amor próprio, de uma parcela de concentração de interesses em nós mesmos, o que poderíamos chamar de autocentrismo, ao invés de egocentrismo, que de certa forma se assemelha ao egoísmo, deturpando-se a idéia. Necessitamos desse autocentrismo para nos construir, segundo os princípios divinos. Portanto, carecemos de interesses em nós, mas também devemos antepor a esse autocentrismo, uma força dativa, a força do amor, igualmente de origem divina, que nos faz doar em prol do outro, amar ao outro como a nós mesmos. Reconhecemos ser isso muito difícil, mas devemos nos esforçar para exercer os dois amores, a nós e ao outro, em todos instantes da nossa vida, se queremos ser felizes e perfeitos como Deus nos criou.

Jornal: O senhor acredita que a dor é necessária para que venhamos a educar os nossos sentimentos?

Gilson: Evidentemente que na pedagogia divina não existem a dor e o sofrimento como recurso didático, seria um tanto quanto inadequado imputarmos ao Criador esses veículos educativos, adotando-os como meios naturais. Acreditamos, com sinceridade, que a dor se torna uma necessidade educativa quando o espírito se desvia do correto caminho. Portanto, a dor é uma resposta a uma adulteração da Lei de Deus. Aí, sim, ela se torna um recurso de correção indispensável para que o ser se restabeleça ante essa Lei. Desse ponto de vista, a dor é educação, sendo então necessária.

Jornal: Quais são os métodos para que façamos esta educação?

Gilson: A educação do espírito no nível humano, infelizmente, exige a coibição, o cerceamento e a limitação, porque o ser traz tendências inatas de revolta, que transporta pela rota dos séculos. Uma predisposição de rebeldia e negação da Lei de amor proposta pelo nosso Pai. Como se pode observar, todo ser humano, como regra geral, traz essa mórbida predisposição a ser mau, antes que bom, antes de desejar o bem ao outro, ele prioriza o bem de si mesmo. Então ele se faz egoísta e pratica iniqüidades, constrange e impõe sofrimentos ao outro. A Lei devolve para ele esse constrangimento e essa dor, para que ele experimente em si mesmo o que ele provoca no outro. Portanto, a dor, desse ponto de vista, é necessária. Entendemos, no entanto, que a dor existe para nos ensinar a não semearmos as suas causas. Uma vez que não semearmos as causas das dores, não a sofreremos, pois não mais será necessária. O segredo da felicidade e da plena realização do espírito consiste então em viver de acordo com a Lei de Deus, fazendo o máximo possível para lê-la, pois ela está inscrita na nossa consciência e nos fala a todo instante como devemos agir. Se dermos mais atenção à voz divina que fala em nós através da consciência, seremos capazes de caminhar sempre por estradas condizentes, condignas com a ventura máxima que todos almejamos. Nascemos condenados à felicidade, essa é a Lei, e ainda que por meio da dor e da privação, nós a alcançaremos, pois é o nosso inexorável destino. Embora erremos e soframos, por termos o livre-arbítrio, Deus nos orienta sempre na conquista dessa felicidade. Então, se sofremos devemos imputar isso a nós mesmos.

Jornal: Como fazer para vivenciar o amor em sua forma plena em uma sociedade materialista, tão violenta, cheia ainda de discriminação e diferenças sociais como a nossa?

Gilson: Todos sabemos, o difícil é praticar. As lições do Evangelho já estão ativas na nossa memória espiritual há muitos séculos. De modo que ninguém ignora, no nível espiritual em que nos encontramos, que a vivência real do amor é uma premente necessidade evolutiva. Mas isso para nós ainda é uma questão teórica, pois na prática ainda agimos por impulsos automáticos, em decorrência das nossas experiências de vida não terem se apoiado em um verdadeiro exercido de amor. Contudo, à medida que nos esforçarmos, inibindo esses impulsos egocêntricos e inadequados e, ainda que com certa dificuldade, realizemos alguma parcela do amor, chegará o instante que o amor será exercido como ato automático. Então não haverá mais maldade em nós e nos expressaremos de forma espontânea, sem esforço, como seres amorosos, pois o amor estará automatizado em nosso subconsciente. Isso, porém, ainda demandará tempo. Aliás é um dos motivos do nosso sofrimento, pois queremos ser bons, mas não conseguimos, por portarmos ainda o automatismo dos instintos animalizados. O bem que eu quero, como dizia Paulo de Tarso, eu não faço, porque a maldade é que está automatizada em mim. Então o mal se expressa de forma muito mais facilitada do que o amor. O amor exige sacrifício. Contudo, isso em breve será modificado pela evolução, pelo trabalho constante de vigilância para não cometermos o mal que tanta facilidade temos em praticar. E mais tarde, sem esforço, iremos executar somente o bem. Não devemos sofrer por não conseguirmos realizar esse amor evangélico de uma hora para outra, pois é impossível, mas vamos nos esforçar cada dia um pouco até que se torne realidade. Se não conseguimos verdadeiramente amar os nossos inimigos, como nos pediu o Cristo, pelo menos vamos fazer de tudo para não odiá-los e já será um passo. Se não podemos vender tudo o que temos e dar aos pobres, como no recomendou o Divino Mestre, vamos tratar de doar o que nos sobra, ao menos. Se não conseguimos ser verdadeiramente bons, vamos trata de ser o mais corretos possíveis, o mais honestos de que somos capazes. Assim estaremos nos aproximando cada vez mais da ética do verdadeiro amor, da essência do amor, só possível aos homens santos. E nós ainda não somos santos.

Jornal: Haveria em nossa existência várias nuanças do amor? Quais seriam elas?

Gilson: Com certeza, o amor se expressa na natureza divina em diversas nuanças. Por exemplo: quando as partículas atômicas se atraem, elas estão exercitando o amor. As ondas, quando se sintonizam e ressoam também estão praticando o amor nas suas essências primárias. A fêmea, ao alimentar o seu filhote, ou o macho, ao protegê-lo estão ensaiando as primeiras letras do alfabeto do amor. O instinto sexual é igualmente uma manifestação rudimentar do amor angelical. Ao propiciar a união do homem e da mulher ele predispôs a formação do lar e da família, onde se exercita na consangüinidade, o amor humanitário. São expressões progressivas do amor que vão se dilatando, aquilatando-se e se transmutando através do tempo, no laboratório da vida, até que a evolução no levará a atingir a máxima expressão do amor: doar a nossa vida em favor do outro. Essa é a máxima expressão do amor, o amor divino.

Jornal: Qual é a mensagem que o senhor deixa para os leitores do nosso jornal Evangelho e Ação?

Gilson: Experimentemos amar um pouco mais todos os dias, em pequenas e progressivas doses, até onde possível, para que paulatinamente esse amor venha se dilatar e tomar conta de nossas ações, sentimentos e pensamentos, para que possamos verdadeiramente viver felizes, pois a felicidade só é possível quando aprendemos a amar.