Além das Estrelas

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Prefácio do livro ALÉM DAS ESTRELAS de Sergito Cavalcanti 

Pelas Veredas da Verdade

Conta-nos uma antiga lenda oriental que um discípulo, após largo estágio junto ao seu mestre, preparava-se para retornar a sua terra, gabando-se de haver assimilado tudo quanto lhe era possível saber. O educador então lhe convidou para tomarem um chá de despedidas em sua casa. Enquanto o jovem demonstrava, no mais vivo entusiasmo, que nada mais havia por aprender, o velho sábio enchia a sua xícara, sem, contudo se deter. Vendo que o chá se derramava abundantemente sobre a mesa, o aprendiz, assustado, deteve seu discurso, pedindo explicações para aquele estranho comportamento. O bom mentor então lhe disse: – Filho, assim está a sua mente, ela transborda conhecimentos e nada mais pode conter. É preciso urgentemente esvaziá-la para que você prossiga na aventura do conhecimento.

A mentalidade hodierna encontra-se como a xícara cheia dessa interessante parábola. Enfatuada de descobertas e análises, gaba-se de haver colecionado um acervo de conhecimentos tais que lhe permitirá em breve o completo domínio sobre toda a fenomenologia do universo. De fato, as conquistas do século vinte foram surpreendentes. O homem da Nova Era enviou robôs a outros planetas, encurtou as distâncias e elaborou aparelhos extraordinários capazes de armazenar um número incalculável de informações e efetuar os cálculos mais complexos. Em seus avançados laboratórios genéticos ele brinca de Deus, manipulando os celeiros sagrados da vida e através do uso abusivo do quimismo, pretende impor à raça humana a tão almejada saúde perfeita.

Todavia, desprovido das verdades eternas indispensáveis para orientar os seus extraordinários feitos, o homem jaz cativo de um cipoal de análises que a lugar algum o conduziu. Sem a crença no Espírito e desconhecendo as finalidades superiores da vida, seus fantásticos conhecimentos apenas lhe lustraram o intelecto e não lhe preenchem verdadeiramente a alma que prossegue vazia e sedenta da sabedoria que liberta. Carente de uma orientação moral elevada, ele colocou sua inteligência a serviço da guerra e da destruição e não soube fazer de sua casa planetária um reduto de paz, ameaçando soçobrá-la entre amontoados de lixos químicos ou os escombros de uma catástrofe nuclear em massa.

Assistido por máquinas maravilhosas, acomodado nos prazeres fáceis e na abundância dos bens materiais, ele descobriu, enfim, que sua alma vagueia no mais absoluto e gélido vazio. Chafurdado em infecundo niilismo e sustentado por vil materialismo, sua felicidade foi comprometida, ante uma cultura insuficiente para lhe ensinar as razões últimas da vida, aclarar o seu destino, explicar as reais causas de suas dores e o sentido mais profundo de suas acerbas lutas. Um terrível vácuo conceitual estiola agora todas as suas certezas. Sombrios horizontes ameaçam os seus evasivos anseios e já não há mais futuro para o pobre protagonista da Era da Razão que depositou no mais puro materialismo científico o aval de todos os seus sonhos. Sua crescente angústia, roubando-lhe o aparente sossego, indica acertadamente que seu coração aderna sem rumos.

Por isso estamos absolutamente seguros de que sem a Ciência do Espírito, edificada sob as luzes da Codificação Kardequiana, o homem não poderá mais avançar, obstaculizado pelas intransponíveis barreiras dos mistérios que lhe cerceiam o progresso. O tão esperado império científico previsto pelos futuristas modernos e protagonizado pelo absoluto controle tecnológico da natureza não se efetivará, pois sem compreender os altos fins da existência e habilitar-se à indispensável reforma moral preconizada pela Boa-Nova, o homem não edificará uma sociedade plenamente realizada, não irá à parte alguma e não estabelecerá a paz na Terra, uma vez que somente os mansos a herdarão, como nos assegurou o Divino Pastor.

Todavia, em todos os tempos, a Misericórdia Divina, antevendo o desenrolar dos acontecimentos humanos, sempre nos enviou os informes necessários ao sustento de nossa frágil fé. Em meio às brumas avassaladoras do materialismo que nascia, ainda em meados do século dezenove, as vozes do Além se ajuntaram para nos trazer verdades eternizadas na Codificação Espírita, a serviço do homem que amadurecia para as fascinantes descobertas do século vinte. Antevendo sua necessidade de servir-se da razão como indispensável condutor de seus passos amadurecidos pelos séculos, disponibilizou-lhe uma nova fé, orientada, sobretudo pela lógica, a fé raciocinada que tudo pergunta e tudo quer compreender para crer.

Perdido no dédalo de um universo de informações e dados, o homem, contudo, ainda não se dignou a examinar com atenção a preciosa mensagem da Terceira Revelação, obstaculizado pela pretensão de já possuir todo o saber que lhe convém. Faz-se então urgente, nesse grave momento de nossa História, que o informatizado homem atual, como o aprendiz da parábola da xícara cheia, esvazie a sua mente abarrotada de análises inconclusas. É preciso reconhecer que nada sabe, a despeito do fantástico acúmulo de informações retidas em seus computadores e não pode mais se orientar nos escaninhos da verdade. Com humildade, é hora de fazer valer a famosa recomendação de Sócrates que há séculos nos alertou que o homem inteligente é aquele que sabe que nada sabe, e a sabedoria de Confúcio, que nos afiançou que verdadeiramente ignorante é aquele que é incapaz de mudar de idéia. E depois se atirar nas límpidas fontes de conhecimento elevados que nos trazem de volta as verdades eternizadas pelo tempo.

Destarte é preciso reconhecer que o rico acervo de preceitos depositado nas obras básicas nasceu em uma época ainda incipiente do saber moderno e foi adaptado ao seu tempo. Um século e meio já se passou desde que as mesas girantes sacudiam as inteligências de Paris, pedindo-lhes explicações coerentes. Não se conheciam a Teoria Atômica, o Eletromagnetismo de Maxwell, a Relatividade de Einstein, a fantástica Mecânica quântica e a Cosmologia moderna que hoje dominam o pensamento atual, ainda não refletiam os seus clarões nos horizontes humanos. Hoje, mais amadurecidos, verificamos que os ensinos de Kardec permanecem indispensáveis, porém é preciso também fazê-los progredir, pois a Doutrina necessita ir adiante, acompanhando o compasso do progresso, reformulando o seu vocabulário e adaptando a vastidão de seus conceitos aos novos tempos.

Para atender a essa necessidade é que as forças superiores da vida convocam os homens de boa vontade e capacitados para promoverem a constante atualização das verdades eternas, conformando-as aos avanços da mentalidade humana que jamais se detém. A Nova Fé carece de vestir-se permanentemente com a evolução dos homens a fim de não se amofinar no tempo, como aconteceu com os velhos conceitos teológicos detidos no arcaísmo medieval.

Eis-nos diante de uma obra que atende justamente a essa necessidade e que temos o prazer de apresentar ao amigo Leitor. Sergito Calvacanti é um desses trabalhadores de última hora que vem auxiliar a renovação das verdades eternas que consolam e saciam o famigerado Espírito de nossos dias. Depois de nos brindar com diversas obras de teor evangélico, agora ele se dispôs a nos ajudar na compreensão dos preceitos básicos da Doutrina dos Espíritos. Com sua clareza e sua larga experiência didática arquivada em uma vida dedicada ao ensino universitário, ele foi capaz de transformar as lições fundamentais da Codificação em uma linguagem moderna e útil, que melhor atende à mentalidade de nossos dias.

Caminhar Além das Estrelas significará avançar além de Kardec? – perguntar-se-á, certamente, o estudioso sincero das obras básicas. Muitos responderão que não se pode extrapolar as lições do Mestre de Lion e os ensinos das Sábias Entidades que a ditaram, entretanto julgamos, com toda a sinceridade, que a Doutrina, caracterizada como essencialmente progressista, deve permanentemente evolver e acompanhar o perfilar do tempo. Progresso que não pressupõe contradizer os seus fundamentos, mas apenas agregar sempre melhores esclarecimentos aos seus alicerces, aderindo-os com maior fidelidade à realidade fenomênica que nos assiste.

Exatamente por isso o Codificador nos concitou a seguir a trilha do progresso e a modernizar a Doutrina à medida que a evolução opera o nosso aprimoramento constante, fazendo-se nobre a tarefa de amadurecer os seus ricos conceitos.

A vida nos quer verdadeiramente grandes e sábios e para isso nos convoca ao crescimento permanente, suscitando-nos sempre novas lições que nos conduzam além das estradas já percorridas. E para assimilá-las é preciso reconhecer que nós, os espíritas, também ainda não atingimos o fim do caminho, cuidando igualmente de esvaziar as nossas mentes, a fim de agregar-lhe sempre novos conhecimentos que nos conduzirão à verdade absoluta. Por isso é bom admitir que muito ainda temos a aprender e estamos longe de atingir a completa visão do Todo.

Nessa magnífica síntese da Doutrina Espírita, o nosso querido Sergito, utilizando-se de uma linguagem agradável, de fácil compreensão e altamente inspirada, atualizou os seus temas básicos, sem deixar as linhas mestras da Codificação. Histórias e contos agradáveis ilustram freqüentemente a matéria em pauta, amenizando a sua exposição eminentemente teórica e auxiliando sobremodo o nosso entendimento. E ainda, servida por bem talhada referência bibliográfica, será de grande valia para o pesquisador que deseja complementar os seus estudos.

Em suas ricas paisagens literárias, nossos espíritos, maravilhados, caminharão seguros pelas veredas da verdade, onde poderemos observar renovadas paragens do conhecimento espírita, auxiliando-nos sobremodo na compreensão dos conceitos que consolam e salvam. São luzes que jorram do Alto, mas que aqui não estão, em absoluto, além das estrelas, mas sim ao alcance de nossos intelectos, prontas a dissiparem as trevas que ainda ensombreiam o nosso interior.

E que essas mesmas luzes continuem a iluminar o nosso querido amigo para que de sua valorosa pena permaneçam fluindo esclarecimentos indispensáveis à nossa maturação espiritual, a nos projetar para além das estrelas, onde de fato reside a Mansão Eterna e mora a nossa almejada e elísia paz.

Belo Horizonte, fevereiro de 2005

Gilson Freire