Não Sinta Invadido pela Consulta Homeopática

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NÃO SE SINTA INVADIDO PELA CONSULTA HOMEOPÁTICA

 Artigo publicado no Jornal da Associação Médica Homeopática de Minas Gerais, em novembro de 1999

             A consulta homeopática possuiu peculiaridades interessantes. Não é uma consulta tradicional onde o médico parece se interessar apenas por aquilo que o seu corpo fala. Neste momento você deve estar disposto a abrir seu coração e expor seus sentimentos mais secretos. O homeopata precisa ler sua alma e buscar ali os resíduos originais de suas dores. Ele precisa entender-lhe de um ponto de vista mais profundo, precisa conhecer sua vida, seus dissabores e os seus sofrimentos nos momentos difíceis. Ele quer conhecer seu modo de ser e especialmente suas fraquezas mais íntimas.

            Comparecer a uma consulta desta significa despir-se diante do médico, mostrando-se como você realmente é. Para muitos é interessante isto. Representa uma oportunidade para despejar de seu coração seus mais árduos dissabores e dividir suas angústias mais ocultas. E realmente muitos se sentem confortáveis diante de alguém que se dispõe a lhe ouvir com paciência e tenta lhe entender os problemas existenciais.

            No entanto existem pessoas que não sentem assim. Não vieram à consulta para falar de suas questões emocionais, estão ali porque lhe doem o estômago, ou são portadores de uma rinite sem fim. “Como pode esse sujeito que nunca vi se prestar a querer saber de minha vida particular a troco de nada?”. Muitos se calam e dificilmente conseguem falar alguma coisa que o homeopata precise ouvir. Ai a consulta se torna um tormento para ambos e mais se assemelha a um interrogatório policial - onde esteve naquele dia? Qual era sua intenção real? Quem é você afinal e que sentimentos negativos possui? Uma série de perguntas mal criadas lhe chovem em cima e você mal pode se esquivar de uma que lá vem outra mais audaz. Mordaz, sarcástico, às vezes parecendo irônico e crítico, o médico lhe parecerá mais um delegado de polícia em busca de seus erros, defeitos e malfeitos e seu desejo é de pedir licença e ir procurar outro, bem depressa.

            Espere. Não se sinta invadido pela consulta homeopática. Queremos dizer-lhe, a você que já viveu essa experiência, que compreenda a intenção e às vezes o desespero do profissional de Homeopatia em frente do qual você foi parar. Ele precisa conhecer-lhe para lhe curar o estômago ou a rinite ou qualquer que seja a enfermidade que você lhe trás. O processo de prescrição homeopático exige uma identificação entre o doente como um todo e o medicamento. Raras são as ocasiões que o Homeopata pode prescrever somente por sintomas físicos, isolados.

            Ao decidir-se por consultar um homeopata, prepare-se. Saiba que você deve estar disposto a falar de todos os seus problemas. Você não estará em um consultório de psicologia ou diante de um psiquiatra, como muitos pensam e chegam mesmo a perguntar: doutor, você é psicólogo ou psiquiatra? É bom que saiba com antecedência o que lhe espera, para não se assustar, como acontece com muitos. Já vi casos de pacientes que saem do consultório assim como que meio ofendidos e que durante a consulta se recusam terminantemente a relatar qualquer coisa que não diga respeito a sua doença. “Sejamos objetivos, doutor, para isso?” – alguns chegam a proferir.

            Pelas peculiaridades da consulta homeopática, compreendemos que ela deveria ser adaptada a cada paciente. Deveríamos compreender que para certos indivíduos tornar-se um tormento e uma invasão de privacidade responder as perguntas íntimas tão de supetão. Para estes seria melhor adotarmos uma consulta progressiva, onde o doente fosse se habituando ao médico, aos poucos e paulatinamente fossem se entendendo dentro de uma perfeita relação de confiança e empatia. No entanto poucos ainda aceitam isto por parte de um médico. Estamos todos acostumados a ir ao médico e sair com a receita pronta e tudo está acabado. Deveríamos respeitar as peculiaridades da Homeopatia. A consulta homeopática poderia ser comparada a um namoro, uns podem ir logo ao assunto, enquanto outros necessitam de tempo para se conhecerem melhor e trocarem relações de confiança. Concordo que o Homeopata deveria ter essa sensibilidade e perceber aquele paciente que pode ser logo abordado a um nível mais profundo e aquele outro que deve ser respeitado em sua intimidade, requerendo seu próprio tempo. Assim deveria ser, no entanto o processo por si só exige do médico uma prescrição imediata, em ambos os casos e assim está armado o circo. No curto tempo de uma hora de consulta, vocês devem se conhecer profundamente.

Enquanto não entendamos isto e não modifiquemos nossos conceitos alopáticos ao procurar a Homeopatia, saiba perdoar o médico “intruso” que lhe ameaça com perguntas descabidas. Perdoe “a sua” de dar uma de psicólogo sem estar para isto autorizado e esforce-se para abrir seu coração e fale com sinceridade de suas fraquezas. Supere sua timidez e perdoe a sua arrogância de querer compreender-lhe em tão poucos minutos enquanto você está há anos tentando se entender em um genuíno processo psicoterapêutico.

Algum dia, talvez, consigamos mudar a mentalidade vigente e o médico homeopata terá direito de efetuar por vezes algumas entrevistas antes de prescrever o medicamento mais preciso para o caso.

Aguardamos este dia. Por ora, por favor, não se sinta invadido pela consulta homeopática.

 Belo Horizonte, junho de 1999

 Gilson Freire

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