Uma Medicina para o Espírito

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UMA MEDICINA PARA O ESPÍRITO  - MEDICINA DA QUEDA

Artigo publicado na Revista Biofosia, n. 48, de outubro de 2019, editada em Portugal.
Agradeço a Rogério Pimenta pela sua correção gramatical.

Introdução

A conquista da saúde perfeita implica não somente conhecer as alterações consideradas primárias das diversas patologias que nos acometem, mas, e principalmente, suas reais fontes, uma vez que somente se combate definitivamente um mal interferindo em sua origem. Seria possível tal conhecimento que nos conduziria ao pleno domínio das mais diversas doenças que nos assediam na Terra? Antes do advento do Projeto Genoma Humano, muitos acreditavam que esse segredo estaria no código genético, o qual, uma vez dominado, levaria o homem à aquisição da saúde impecável, proporcionando-lhe a eternidade na carne. Hoje já se sabe que as enfermidades, de modo geral, têm origem multifatorial e não dependem exclusivamente das informações contidas na fabulosa fita de DNA, com seus intrigantes conjuntos de informações, os quais não são absolutamente determinísticos.

Aqueles que jazem estacionados no materialismo estão convencidos de que o adoecimento humano está ancorado no mal funcionamento bioquímico das células, o qual poderia ser corrigido pela ingestão de fármacos poderosos o bastante para interferir em suas cadeias interativas, endireitando suas reações. Exatamente por isso, na atualidade, vivemos sob os auspícios de uma indústria farmacêutica que a cada ano nos promete devolver a saúde mediante a aquisição e uso de seus produtos.

Por outro lado, quem sustenta crenças espiritualistas e acredita na multidimensionalidade do Ser está convencido de que as enfermidades provêm de instâncias superiores e têm sua real origem no universo imponderável do psiquismo e da consciência profunda. Esses desequilíbrios primários passariam posteriormente ao campo orgânico, determinando as subsequentes perturbações físicas. Chega-se, assim, a aceitar que a vida é um processo de natureza espiritual, subordinado ao mais perfeito controle do Criador, e que as doenças seriam decorrentes unicamente de nossas infrações às Leis naturais, sejam físicas ou mesmo morais, emprestando-se à enfermidade uma vestidura ética. Como muitos seres humanos já nascem enfermos, remete-se essas violações a experiências de vidas anteriores, sob os auspícios da teoria palingenésica.

Nessa perspectiva, justifica-se o adoecimento humano, mas abre-se uma lacuna no que respeita às doenças dos animais e mesmo dos vegetais, uma vez que todos os seres que trafegam pela grande viagem da vida experimentam enfermidades naturais, sem que se possa imputar-lhes qualquer tipo de incorreção à Lei de Deus, uma vez que seriam seres inconscientes, entregues ao automático controle da natureza.

E sabemos ainda que, por mais um indivíduo desenvolva uma vida equilibrada, ele sofrerá natural degeneração de sua organização, por força de lei biológica. Portanto, a saúde absoluta não existe na Terra e, do ponto de vista filosófico e espiritual, subsiste a intrigante interrogação: por que nascemos suscetíveis ao adoecimento, à degeneração e à morte? Por que os corpos biológicos que nos servem na vilegiatura terrena não se sustentam no mais absoluto equilíbrio desejável à vida?

Para responder a essas questões e caminharmos para a saúde real precisamos fazer evoluir a Medicina atual, a qual, embora dotada de fabulosos recursos tecnológicos, acha-se distanciada dos primados do Espírito, em cujo corpo haveremos de encontrar as razões últimas do nosso adoecimento e os verdadeiros recursos para a nossa cura. Acreditamos que as bases dessa nova Medicina já foram lançadas na Terra, em diversas escolas, hoje consideradas à margem da ciência oficial e chamadas de terapias complementares. Estamos convencidos, no entanto, de que essas práticas médicas não tardarão a encontrar o seu verdadeiro valor no tratamento das nossas patologias. Esse breve artigo se propõe a apresentar um dos caminhos já abertos para essa revolucionária Medicina do Espírito, que ansiosamente aguardamos instalar-se na Terra.

A Queda como origem das enfermidades, da dor e da morte

O pensamento judaico-cristão julgou, em uma época, haver encontrado a resposta à intrigante interrogação sobre a origem primeira e a razão última da existência da dor, dos desequilíbrios e da morte em nosso mundo: o Pecado Original e a Expulsão do Paraíso. Todos os seres humanos, sendo descendentes de um primevo casal, Adão e Eva, teriam herdado deles os estigmas da primeira desobediência ao Criador e suas graves consequências. Segundo essa tese, para muitos amofinada no bolor dos séculos, esse originário casal vivia no Paraíso e desfrutava da plenitude dos poderes biológicos e da consequente ausência de dores, de mazelas, quaisquer que fossem, vivendo sob a égide de uma natureza absolutamente perfeita, pacífica e amorosa. Apartando-se do Paraíso, Adão e Eva perderam a Ordem original em que foram criados, passando então não só a ter de se alimentar com o suor do próprio esforço e a parir com dor, mas igualmente a sofrer as injunções das enfermidades e da morte, transmitindo a toda a sua descendência as marcas do grande erro praticado. E o que foi mais drástico: impuseram a toda vida terrena as consequências de suas desavenças com o Criador, induzindo a natureza em que se achavam imersos aos desequilíbrios que agora lhes são próprios, tornando a existência na Terra um verdadeiro inferno, transformada assim em um palco de perenes competições, agressões e barbáries de todo tipo.

Por muitos séculos essas afirmações, tidas como pilares do Cristianismo, foram perpetuadas como verdades irrefutáveis. No entanto, não puderam resistir às revelações da ciência moderna, ao constatar que os fatos fenomênicos da natureza contavam uma história distinta, passível de ser comprovada e dificilmente contestada: a evolução. Ruíram os cânones cristãos, abalados pelas evidências científicas que apontavam a existência de um processo progressivo e modelador de todas as espécies da Terra, operado pelas mutações casuais e a seleção natural. A evolução, inaugurada por Charles Darwin e continuada por outros pesquisadores, tornou-se assim a explicação mais plausível para a diversidade da vida na Terra. O surgimento de novas espécies foi entregue à casualidade das mutações genômicas e não aos caprichos de um Criador. Deus então foi relegado ao absurdo e à incredulidade, ou, quando muito, para os espiritualistas, passou a ser um Senhor que, embora todo poderoso, entregava Seus Filhos às ações do acaso, das imperfeições biológicas e dos embates da seleção natural unicamente para que avancem por si próprios e cresçam, sob a ação da dor e da experiência, na natural trilha da evolução. E se os Seus métodos nos parecem por demais bárbaros e impróprios, o resultado final, que é o progresso, justificaria os meios.

Assim, enquanto os cristãos fundamentalistas perdiam o seu chão, os espiritualistas, de modo geral, apaziguavam seus íntimos, conformando-se com a ideia de que nosso Amoroso Pai utiliza-se de um palco de lutas atrozes e sangrentas, os enfrentamentos de vida e morte próprios da vida natural, como ferramentas lícitas para conduzir todos os seus filhos, criados na pureza e na simplicidade, às genuínas e desejáveis paragens da Perfeição, do Bem e do Amor. Natural que muitos questionem se o Criador, em sua excelsa Sabedoria, não teria uma didática mais amena para atingir o mesmo fim senão nos educar inicialmente na barbárie para depois, somente muito depois, moldar-nos, por meio da dor, nos limites do necessário amor aos semelhantes. Segundo os pressupostos reencarnacionistas, todos viemos da linhagem animal, portanto, aprendemos, na longa noite dos milênios, a devorar e a viver da morte dos nossos irmãos para, então, ao adquirir a razão, sermos coagidos pelo necessário progresso moral, a doar a vida para o bem do próximo e não a roubá-la em benefício próprio.

Parecia-nos não haver uma saída para conciliarmos a aparente incongruência do Criacionismo, com suas arcaicas afirmações, e a crueldade estampada nos mecanismos propostos pelo Evolucionismo. Se o primeiro nos traz a ideia de um Deus injusto e pueril, o segundo nos faz interrogar a Inteligência Divina ou mesmo negar a Sua Bondade no comando da vida. Se o primeiro nos ameaça com as penas eternas, o segundo, nos dá, ao gerar-nos, o inferno como berço da existência. Ora, se Deus existe e criou de fato o universo e todos os seus seres, parece-nos que os entregou à própria sorte e retirou-se para os rincões do Infinito, onde se aloja, indiferente à sorte de Seus filhos. Justo assim que a grande maioria dos pensadores da atualidade, entre os quais se situam as mentes mais brilhantes de nossa humanidade, tenha abandonado a fé nas tradições judaico-cristãs, as quais, afinal, moldaram a nossa civilização ocidental.

Caberia ao místico e filósofo Pietro Ubaldi trazer-nos a solução final para o grave impasse que se abateu sobre o pensamento ocidental moderno: a cisão entre a fé e a razão, a religião e a ciência. O grande Apóstolo de Gúbio, na mística Úmbria, teceu-nos um edifício conceitual gigantesco para nos convencer de que as duas grandes correntes que movem o pensamento humano, o Criacionismo e o Evolucionismo, estão corretas. Ambas retratam faces distintas de uma mesma realidade. Para Ubaldi, o Espírito foi criado em estado de perfeição, em outro Universo, a dimensão do Absoluto, fora do espaço e do tempo, e lhe foi dada a escolha entre permanecer sob os auspícios da Lei de Deus ou, rejeitando-a, rebelar-se ao Seu amoroso domínio. Fazer-se a “lei” por si próprio, negando-Lhe obediência, era um sentimento possível pelo fato de o Ser ter sido criado sob o signo da liberdade. Parte das Criaturas, geradas livres, optou então por negar a Lei de Unidade e intentar a dilatação do próprio “eu”, extrapolando os limites da Lei, intencionando-se fazer-se centro da Criação. O Infinito se partiu e o conjunto daqueles que elegeram esse impróprio caminho deu origem a um desmoronamento de ciclópicas proporções, fruto de uma contração dimensional, o qual terminou por gerar o cosmo invertido que ora habitamos. Esse movimento, fruto de um escomunal motim, foi denominado por Ubaldi de A Grande Queda do Espírito, e está perfeitamente simbolizado na Revolta e Queda dos Anjos e na Expulsão do Paraíso, referenciadas nas antigas revelações judaico-cristãs. Passível também de ser identificado em todos os mitos cosmogônicos e culturas religiosas, em todos os tempos, uma vez que tal preponderante passado metafísico se encontra impresso no imo de cada alma em evolução, maculando-lhe os painéis psíquicos.

Segundo Ubaldi, essa revolta fundamental responsabilizou-se por formar o cosmo físico, o Relativo, entretecido em um palco espaço-tempo, gerando-se a energia e a matéria, com todas as suas incongruências. Assim, esse universo às avessas, fendido pelo dualismo fenomênico e urdido em contrações e expansões, trazendo em si a consciência obscurecida, detida agora no redemoinho atômico, não teria sido a criação original de Deus, mas produto de uma derrocada, como consequência de uma inimaginável rebeldia às Leis que o Criador ofertou ao Ser ao criá-lo.

Todos os que habitamos essa exótica e ilusória realidade seríamos, assim, almas degeneradas por um motim de origem e que fizeram do egocentrismo a opção de vida. Fato que explica o preponderante regime de lutas instalado desde os primórdios da existência na carne. Da unidade original, todos caímos na inconsciência, no não-ser, e prendemo-nos no cerne atômico, onde conhecemos a nossa “morte”. Daí iniciamos nossa viagem de volta ao Plano de Origem, único capaz de proporcionar-nos a grandeza e a plenitude de todas as potências com as quais fomos gerados.

Embora não possamos ainda entender com clareza o grande fenômeno da Queda do Espírito, é inegável que essa tese é a melhor que explica o nosso universo e as vidas atrozes que aqui protagonizamos. É a única que nos esclarece por que nosso universo parte do caos e da imperfeição, advindo de uma imensa hecatombe primária, como estampado na famosa teoria do Big bang. De fato, foi uma fuga de forças contraídas (o Big crush das teses cosmológicas) que, ao explodir, por rebote interno de seus contidos impulsos, deu origem ao nosso cosmo. Fuga e explosão que vemos agora como o reflexo natural de uma Revolta Primária, pois somente o desamor pode gerar desordens, dores e destruições. Deus não poderia ter criado um universo caótico para organizá-lo depois sob os laboriosos embalos da evolução. Assim se justifica por que vivemos agora em um mundo imperfeito, sob o domínio do Mal, da dor e da destruição, que necessita ser refeito, pela evolução e com o nosso esforço, para retornar aos moldes originais idealizados pelo Criador. Eis então a gênese primeira da dor, da enfermidade, da instável existência na matéria, em um cenário onde os princípios divinos da vida, da saúde e da alegria lutam permanentemente com os impositivos da degeneração e da morte, da dor e da infelicidade, próprias do cosmo derrocado em que vivemos.

Remetemos o leitor interessado em pesquisar mais detidamente essa fantástica tese à cuidadosa análise das obras Deus e Universo e O Sistema, de Pietro Ubaldi, nas quais o autor apresenta em detalhes a sua estupenda revelação e a discute pormenorizadamente.

Uma Nova Visão de Homem

Segundo Ubaldi, essa estonteante visão de mundo será suficiente para criar na Terra uma nova civilização e será a norteadora da Era do Espírito que já se anuncia nos albores do amanhã. Antevemos que ela moldará não só um novo modo de vida, mas também estabelecerá um novo desenho ético para o homem do futuro.

Ela nos atesta que o homem transporta em seu íntimo um trauma cósmico, de dimensões inimagináveis, o qual molda não só o seu inconsciente, mas igualmente a sua personalidade e subjaz como o estímulo fundamental para todas as suas dores, desequilíbrios e patologias, sejam físicas ou psíquicas. Vejamos Pietro Ubaldi descrever, em sua obra Deus e Universo, essa inquestionável realidade que se desenha em nossos painéis internos: “No fundo da natureza humana está a tragédia da Queda, em razão da qual a alma, centelha divina, desceu para a ilusão da matéria e dos sentidos, num corpo vulnerável a tudo e num ambiente ingrato, em que a conquista do progresso lhe custa esforço permanente; com mente acanhada que aos poucos terá de buscar o conhecimento que antes possuía do pensamento de Deus. (...) A alma traz o estigma funesto, a dor, que se tornou o sinal do rebelde caído, continuando a recordar-lhe a grande tragédia que desejaria esquecer, abandonando-se ao originário instinto de felicidade, ainda vivo. Mas, entre a felicidade e ele jaz uma nuvem que só poderá dissipar-se através de uma longa luta de reintegração, por meio da evolução. (...) Falamos da dor de todo universo e não apenas da Terra, da dor cósmica, de que a da humanidade terrena não passa de um átomo em um átimo daquela dor de que o próprio Deus quis participar, integrando-se por amor às próprias criaturas.”

Essa crucial definição de nossa lamentável situação induz-nos a postular que precisamos edificar na Terra uma nova Psicologia para o correto tratamento dos reais traumas humanos e até mesmo uma diferenciada Medicina para a cura de seus subsequentes males. Terapias psicológicas e médicas que abarquem a visão da Queda e nos tratem segundo esses fundamentos. Naturalmente que essa nova Medicina, essencialmente espiritual, deverá ir muito além de simples interferências em nosso domínio biomolecular, mero campo de efeitos e não de causas. Ela irá pesquisar no terreno imponderável da consciência, buscando pelos remanescentes da Grande Queda, o verdadeiro trauma que nos originou e nos acompanha na longa caminhada das nossas muitas vidas e permanece ativo em nosso imo, como fonte de desequilíbrios, dores psíquicas e males físicos, sendo, enfim, a fonte de todas as nossas enfermidades.

Essa Medicina Espiritual já foi semeada na Terra. Suas bases já estão lançadas por muitos pensadores que foram capazes de perceber o alcance e as graves consequências de nosso patológico afastamento da Unidade Divina. Entre todas, no entanto, queremos apresentar ao leitor um desconhecido corpo de conceitos existentes na Homeopatia como uma das mais importantes introduções a essa Medicina do Espírito que já antevemos. Como veremos, seu corpo doutrinário, de um alto alcance filosófico e graves consequências médicas, incorporou, desde o seu nascimento, o basilar conceito da Queda.

Homeopatia: uma Nova Medicina para o Espírito

Conhecida como uma prática médica popular, com seus famosos glóbulos açucarados, usados para se tratar as mais diversas patologias físicas, na verdade, essa proposta terapêutica reveste-se de um importante pensamento médico que precisa vir à tona, a fim de servir-nos como um caminho para o conhecimento de nós mesmos e o estabelecimento de novas propostas para o tratamento dos nossos muitos males.

Foi criada por Samuel Hahnemann no final do século XVIII e começo do século XIX como uma arte terapêutica a explorar uma antiga ideia, lançada por Hipócrates no século V a.C.: tratar uma doença com uma substância que pode provocar sintomas semelhantes em uma pessoa sadia. Não abordaremos aqui as suas bases fundamentais, de fácil conhecimento por todo interessado em aprofundar-lhe os interessantes conceitos. Consideremos apenas que Hahnemann diluía seus medicamentos em soluções que ultrapassavam o limiar de dispersão molecular e os experimentava em pessoas sadias a fim de determinar o que produziam, utilizando-os depois para tratar os enfermos que demonstravam sintomatologia semelhante.

Ao empregar seus preparados homeopáticos de altas diluições, o grande pesquisador notava que não perturbavam mais órgãos ou tecidos, mas desencadeavam sintomas referidos ao doente como um todo, ao campo de suas emoções e sentimentos, como alterações do pensamento e da imaginação. Hahnemann penetrara assim no inconsciente humano, muito antes de Freud, e mergulhava no terreno da alma para, enfim, pesquisar as razões últimas do adoecimento humano.

A Psora

Recolhendo as ricas sintomatologias mentais despertadas em suas experimentações, Hahnemann observava que esses mesmos sintomas podiam ser identificados em seus pacientes mesmo antes que enfermassem um órgão em especial. Logo ele conclui que esse corpo sintomatológico sutil existia em todos os indivíduos e acompanhava a nossa espécie desde longa data, como algo não físico, de natureza dinâmica, a entranhar-se nas profundezas da alma humana. Em decorrência disso, o pesquisador denominou a manifestação desse desequilíbrio interno de Psora, termo grego que significa mancha.

Ele compreendeu que a Psora seria a base de todo e qualquer adoecimento humano, uma vez que essa perturbação essencial se projeta posteriormente no corpo físico, materializando-se como as diversas enfermidades naturais possíveis em nossa espécie. Por lei da natureza, ela se expressa inicialmente na sua superfície, ou seja, na pele, para depois, uma vez apenas coibida na sua exteriorização inicial, aprofundar-se paulatinamente em direção aos demais órgãos, ao longo da vida do indivíduo. Sendo a “mãe de todas as doenças”, ela faria parte da natureza humana, sendo incurável. Devido à sua tendência de agravar-se à medida que os diversos males físicos são apenas momentaneamente eliminados do organismo, Hahnemann a comparou a uma hidra, o monstro dos pântanos da mitologia grega, a qual sempre desenvolvia duas cabeças ao ter uma delas cortada. Assim, a Psora, assentando-se na alma, começava sua manifestação na pele, o mais superficial do homem, para terminar no psiquismo, como a mais grave e mais profunda das doenças, aquela que lhe desorganiza o pensamento e as emoções.

O foco, portanto, dos estudos homeopáticos recaiu sobre a Psora, procurando-se por suas características, sua natureza e, enfim, a sua origem, de modo a se determinar maneiras eficazes de se tratá-la com a nova terapêutica que se estabelecia, a Homeopatia.

Características da Manifestação Psórica

Estudando-se em detalhes os sintomas da Psora suscitados pelas experimentações homeopáticas, pode-se dividi-los em quatro grandes grupos fundamentais: as sensações carenciais, as mais variadas; os sentimentos de culpas, de modo geral infundados; os temores, os mais diversos; e a percepção de injustificáveis nostalgias. Estes seriam, então, os quatro núcleos fundamentais da Psora, que, em seu conjunto, designam a angústia existencial humana, vivida com intensidades variáveis e particularizações dentro desses grupos fundamentais e passíveis de serem identificados na intimidade de todo indivíduo.

O remédio dinamizado se mostrava então capaz de arrancar do inconsciente humano suas emoções mais profundas, em forma de sofrimentos e dores íntimas, por vezes angustiosos e intoleráveis. Os experimentadores descreviam esses padecimentos como perturbações do imaginário, à maneira de ilusões, caracterizados nas sensações “como se”. Por exemplo, descreviam padecimentos emocionais “como se estivessem sido abandonados”, ou “ameaçados por males terríveis, contra os quais não poderiam se defender”, “como se houvessem perdido todas as suas forças”, “destituídos de valores pessoais”, “fossem morrer no minuto seguinte” ou “estivessem condenados ao sofrimento eterno”, e assim sucessivamente. Sensações acompanhadas por sentimentos não justificados de culpas, “como se tivessem praticado uma grande falta” e a “impressão nostálgica” de haver vivido em uma época em que não se experimentavam essas carências, como uma imprecisa saudade de uma plenitude que agora já não pode ser alcançada. Em síntese, a Psora se coloria com todas as aspirações humanas, vividas como as sensações de perda do amor, da perfeição, da ordem, da paz, da concórdia, da misericórdia, da justiça, da segurança, da abundância, da verdade, da felicidade, da harmonia e muitos outros bens imponderáveis que de imediato foram remetidos aos valores da Divindade. A culpa se definia como se o Ser tivesse cometido um grande erro que o levou a perder esses bens divinais. Os temores, como se ele merecesse ser castigado por esse ato impróprio. E, enfim, a nostalgia, como a sensação indefinível de haver experimentado, em alguma época, esses tesouros inapreciáveis, que hoje não mais se sente no direito de usufruir.

Os primeiros homeopatas que entraram em contato com essas ricas descrições, suscitadas pelas chamadas patogenesias, e em decorrência da época em que viviam, final do século XIX, não titubearam em consorciá-la ao tão conhecido e propalado enredo do “Pecado Original”. Naquela época, ainda não ventilada pelas descobertas de Darwin, aceitava-se, sem a resistência do psiquismo moderno, a possibilidade da nossa descendência do originário casal Adão e Eva. Éramos tidos como herdeiros naturais da primeira falta humana, o que nos teria apartado do Plano Divino, levando-nos a aspirar agora por retornar ao estado paradisíaco de origem. Ou seja, sentiríamos carências dos bens divinos que perdemos; culpados, por haver realizado alguma falta que justificaria essa perda; temorosos agora das consequências desse ato; e nostálgicos do que tínhamos e não temos mais. Essa foi a interpretação dos primeiros homeopatas ao examinarem os sintomas recolhidos das patogenesias, imputando-os a uma lembrança arquetípica impregnada no inconsciente humano do Pecado Original e que acompanharia a nossa raça desde que nossos “primevos pais foram expulsos do Paraíso Divino”.

Compreendendo de imediato essa inevitável associação, o famoso homeopata argentino, Alfonso Masi Elizalde (1932/2003), declarou: “A sintomatologia psórica tem um denominador comum, o sofrimento humano pela perda de um bem superior. Algo ele perdeu, demonstrado pela sua carência de amor, justiça, misericórdia, como também perfeição, beleza, poder. Isso levou grandes mestres da Homeopatia a uma atitude religiosa ou metafísica, assinalando, sem vacilar, o Pecado Original, como a causa da enfermidade do homem.”

O norte-americano James Tyler Kent (1849/1916), outro notável homeopata, considerado o maior seguidor de Hahnemann, afirma em uma de suas obras, Filosofia Homeopática: “A Psora é a base de todas as enfermidades. Se a raça humana houvesse permanecido em um estado de ordem perfeita, o Paraíso, a Psora não teria existido. (...) A Psora é a desordem primitiva ou primária do terreno humano (...). Na verdade, a Psora é a primeira manifestação do Pecado Original, da primeira maldição, a profética execução do ‘tu morrerás’.”

Natural que os homeopatas modernos, ventilados agora pelos revolucionários conceitos do evolucionismo, não continuaram a sustentar essas afirmações, uma vez que adotaram como norteador do conhecimento o saber científico hodierno, o qual se distanciou sobremodo do Criacionismo bíblico, sepultando-o como mero quesito de fé ou nada mais que um mito primitivo. Sobretudo no campo médico, não se podia mais adotar como verdade um conhecimento tido como produto da insciência humana e fruto da inocência de seus primeiros passos. Portanto, no século XX, predominantemente materialista, considerar o “Pecado Original” e a “herança adâmica” como fundamentos da realidade humana passou a ser uma grave heresia científica, e seus defensores eram agora condenados à fogueira da ignorância e da mediocridade. Tornou-se, desse modo, impróprio considerar a interpretação do “Pecado Original” como a fonte primeira da Psora, que então passou a ser buscada não mais no campo metafísico e religioso, mas no cerne do próprio evolucionismo, no âmbito de raciocínios psicanalíticos, ou simplesmente tendo sua etiologia ignorada e isenta de discussões por grande parte dos homeopatas, como acontece hoje.

Todavia, com o advento das teses de Ubaldi, o tema do “Pecado Original”, agora sob os auspícios de uma interpretação moderna, voltou à baila, enriquecido por uma dialética racional e adaptada ao intelecto amadurecido dos nossos dias. Com isso, modernos homeopatas voltaram-se então para as hipóteses ventiladas pelos primeiros seguidores de Hahnemann, resgatando-as como válidas para se entender o homem e os grandes dramas que maculam e ainda premem o seu inconsciente. Ressurgem os estudos da Psora, revigorados e corroborados agora pelas teses de Ubaldi. Facilmente constatamos, surpresos, que as primeiras interpretações estavam corretas e se prestam com perfeição para o estudo do inconsciente humano, não só para nortear a prescrição homeopática, como proposto por Hahnemann, mas para compreender e auxiliar o homem em sua reconquista da “divindade perdida”.

Constata-se que a Homeopatia, de fato, penetrara, mediante suas experimentações, na arquetípica sintomatologia da Queda do Espírito. Efetivamente, Hahnemann descobrira um método experimental capaz de extrair das profundidades do inconsciente humano as marcas primevas dessa grande falência do ser, comprovando-se a sua realidade. Uma ferramenta fantástica então se estabelecia para, enfim, penetrarmos no estudo e análise dessa patologia essencial da alma, a Queda do Espírito, responsável por todos os grandes dramas do ser, em todos os tempos. Podemos então conhecer os registros indeléveis desse drama maior do universo, o afastamento do Espírito de sua Essência Original, ainda estuantes no nosso inconsciente. Enfim, comprova-se, por métodos experimentais passíveis de averiguação, que a doença humana fundamental tem sua origem na Derrocada do Espírito, tal qual afixado em tempos imemoriais pelas tradições mitológicas, as antigas culturas e religiões da Terra, sobretudo o fundamentalismo judaico-cristão, e muito bem decifrado por Pietro Ubaldi em sua vasta obra.

A particularização da Queda

Demarcou a patogenesia o curioso fato de que cada medicamento experimentado revelava a fixação em um determinado sintoma, dentre os quatro núcleos psóricos fundamentais, distinguindo-se assim tipos variados e específicos de Queda. Ou seja, demonstrava-se experimentalmente que a Queda do Espírito não havia sido idêntica para todos, mas ocorrera em padrões diferenciados e peculiares.

Eis alguns exemplos de particulares sensações, as quais podemos interpretar como lesões espirituais específicas da Primeira Grande Falência do Espírito:

$11)     Uma sensação profunda e sofrida de estar abandonado, como se estivesse imerso no mais terrível vazio, sem nada ou ninguém ao seu redor;

$12)     Uma impressão angustiosa de haver perdido um mundo perfeito, onde se vivia em paz, acompanhada da nítida sensação de achar-se agora em meio ao inferno;

$13)     Uma marcante pressuposição de haver negligenciado um dever, remoendo-se em culpas infundadas;

$14)     A nítida impressão de estar desprovido de qualquer valor pessoal, sentindo-se um miserável e digno de pena;

$15)     O devaneio de achar-se em uma prisão, acorrentado e impedido de se movimentar;

$16)     A percepção de haver perdido por completo a autonomia, sofrendo agora por se ver completamente dependente dos demais;

$17)     A sensação de desamparo e vulnerabilidade, sentindo-se acossado pelos vários tipos de ameaças presentes na vida;

$18)     A clara impressão de haver sido destituído de todas as suas forças e capacidades, fazendo-se completamente inseguro e incapaz de executar as tarefas mais corriqueiras que a vida exige;

$19)     A ilusão de estar longe de sua casa e se encontrar em um ambiente totalmente estranho, que lhe é por demais hostil, sofrendo uma angustiosa nostalgia de um suposto e distante lar, que não se consegue identificar em nenhum lugar;

$110)  A suposição de achar-se em uma viagem que não termina nunca, cheia de percalços e ameaças;

$111)  O sofrimento por haver perdido a eternidade e que a inevitável morte o acometerá no instante seguinte, vivenciando o pavor de “deixar de ser”, de modo definitivo;

$112)  A imaginação de viver em um mundo em desordem, onde tudo precisa ser reordenado, sofrendo por tudo que vê fora do seu lugar ou identifica como incorreto ou injusto.

$113)  O pressuposto de que é incapaz de prover-se do necessário à sua subsistência e terminará na miséria absoluta;

$114)  A sofrida suspeita de sua inadequação ao exercício da vida, sentindo-se inútil e desadaptado a todos os ambientes e atividades que a sociedade lhe antepõe.

As sensações psóricas se multiplicam em muitos outros tipos de emoções e ilusões, específicas para cada remédio homeopático experimentado. No entanto, na vastíssima coleção das patogenesias, que somam quase 3000, pode-se resgatar aproximadamente 100 tipos específicos de Queda, ou seja, 100 particularizações da Psora. O restante dos medicamentos experimentados não revelou resíduo algum do sofrimento psórico. E, curiosamente, essas 100 particulares sensações podem ser perfeitamente identificadas nos seres humanos capazes de perceberem suas mais profundas emoções, muitas delas, por vezes, manifestadas em sonhos. Tais sensações são então interpretadas como os registros mnemônicos da Queda do Espírito, os quais permaneceram ativos no campo imaginário da alma e não encontram justificativas no meio em que se vive. As marcas desse grande drama do Ser não se apagaram no seu imo, permanecendo ativas como o mais importante estímulo para que ele agora retorne à sua condição de origem. Trazem como característica marcante a sensação de perda de um determinado bem essencial, uma virtude ou um atributo, o qual, agora, sobre todos os anelos humanos, se anseia reconquistar.

Medicina do Espírito

A Homeopatia se revela então uma arte médica capaz de reconhecer a Queda específica de um ser e tratá-la com uma substância da natureza que guarda o registro desse mesmo tipo de falência original. Assim, pode-se induzir equilíbrios desejáveis de personalidade e consequentemente físicos, levando à acalmia do adoecimento emocional e orgânico. Esse seria então o desiderato mais nobre de um tratamento homeopático, que não se propõe apenas a silenciar órgãos enfermos.

Todavia, além desse nobre objetivo, essa nova Medicina, ao individualizar a Queda, mostra-se também capaz de auxiliar-nos na aquisição de nosso real equilíbrio, ajudando-nos no autoconhecimento, a fim de melhor orientar-nos no caminho do crescimento espiritual. Esse é o genuíno movimento de aquisição das virtudes perdidas, denominado Redenção, e que tem sido objeto de cuidadosos estudos na atualidade, no âmbito da Medicina da Queda.

E compreendemos agora, com Ubaldi, que essa enfermidade arquetípica, fixada indelevelmente na alma humana, a Psora, somente será sanada com o término do processo evolutivo. Ou seja, apenas a reunificação da alma com o Divino a curará completamente. Enquanto isso não se dá, a Psora, nosso impulsor evolutivo, continuará ativa em nós, servindo-se como o mais eficaz estímulo capaz de conduzir-nos na conquista dos reais valores da alma, justamente aqueles que perdemos.

Encontramo-nos, assim, com as bases de uma nova e revolucionária Medicina a iniciar-se na Terra. Uma Medicina ainda incompreendida, imiscuída nos fundamentos até então desapercebidos da Homeopatia. Um conhecimento precioso que somente agora começa a ser desvendado com a indispensável ajuda de visionários como Masi Elizalde e Pietro Ubaldi.

Estamos certos de que é uma maravilhosa possibilidade a entreabrir-se ao homem moderno, facilitando-lhe a compreensão dos reais fundamentos de sua personalidade e a verdadeira origem de todos os seus males: o seu afastamento da Essência Espiritual que nos constitui, a nossa Divindade Perdida. Quiçá essa nova Medicina possa ser a nossa porta de entrada na tão esperada Medicina do Espírito, pronta a nos ajudar a viver na Terra no máximo equilíbrio possível, acalmando nossas enormes angústias e nossos grandes padecimentos físicos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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4.       Hahnemann, S. The Cronic Diseases. New Delhi: Jain Publishing Co.; 1983.

5.       Kent, J. Filosofia Homeopática. Buenos Aires: Editora Albatros; 1978.

6.       Ubaldi P. Deus e Universo, 3ª ed. Campos dos Goytacazes, RJ: Ed. Instituto Pietro Ubaldi; 1987

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