O Câncer na Visão de Pietro Ubaldi

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Uma Visão Metafísica do Câncer

Por Gilson Freire

(Palestra proferida no XIX Seminário Pietro Ubaldi, no dia 4 de agosto de 2012, em Belo Horizonte, MG e repetida no XV Congresso Brasileiro Pietro Ubaldi, em Rio Verde, em agosto de 2013 - se desejar assisti-la acesse: http://www.youtube.com/watch?v=vHrzHSjwKTo&feature=c4-overview&list=UUJgBaGm8XEEkVKTZDaaGQTQ

 

 “Nenhum problema pode ser verdadeiramente resolvido, se não partirmos de uma orientação cósmica que o enquadre no funcionamento orgânico do Todo” - Pietro Ubaldi 5

 

INTRODUÇÃO

O câncer é uma das mais intrigantes patologias que ameaçam a vida e a felicidade humana na Terra. Provocando deformidades indescritíveis, desorganizando anatomias muito bem estabelecidas e devorando destinos, essa estranha doença não pôde até então ser devidamente compreendida e controlada pelo homem. A ciência busca desvendar sua origem e sua fisiopatologia, a fim de estabelecer métodos terapêuticos eficazes em seu combate e prevenção, procurando no cerne da própria matéria as razões últimas de seu desenvolvimento. Enquanto as chamadas ciências espiritualistas, entre elas a Doutrina Espírita, estabelecem explicações outras, todas calcadas no campo sutil do espírito e no desvio de seu comportamento moral, tem-se a nítida impressão de que as grandes religiões oficiais não se manifestam, talvez por entender que tal dramática enfermidade não diga respeito ao Criador, tratando-se nada mais que acidentes próprios da vida na matéria.

E o que nos disse Pietro Ubaldi, um dos mais eminentes enviados do Cristo entre nós? No capítulo V de sua 13ª obra, Problemas Atuais, utilizando como guia a mais abrangente e espetacular visão da fenomenologia universal, o sábio missionário empreendeu interessante análise da patogênese (estudo da origem e da evolução das enfermidades) do câncer, como nenhum outro pensador até então o fez. Por isso, vale a pena ressaltarmos para o estudioso do espírito as ricas considerações que o profeta da Nova Era nos legou.

Antes de penetrarmos, contudo, nas ponderações de Ubaldi, convém conhecermos, ainda que sucintamente, um pouco da história dessa intrigante patologia, o que nos diz a ciência atual sobre sua patogênese, as pertinentes revelações da Doutrina Espírita e um pouco das interessantes conjecturas acenadas pela homeopatia.

O QUE É O CÂNCER?

Nossas células nascem e morrem em um ritmo assustador. Estudos com radioisótopos demonstram que a cada dois anos renovamos 80% dos átomos que compõem nosso corpo, comprovando-se o acelerado compasso reprodutivo de nossas entidades celulares. Por exemplo, as hemácias, as células sanguíneas responsáveis pelo transporte dos gases circulantes em nosso organismo e uma das mais pródigas em multiplicar-se, são geradas à razão de 300 bilhões de unidades por dia. Desse modo, a cada sete dias, trocamos completamente os 5-7 litros de sangue que possuímos.

Os ciclos de vida, morte e reposição de nossas células são determinados, segundo o conhecimento médico atual, pelo DNA, que comandaria, em cada linhagem celular, um próprio e adequado ritmo reprodutivo. No câncer, perde-se esse controle, levando assim as células a se multiplicarem em uma cadência frenética e desregrada.

Assim, o câncer seria nada mais que o aumento desordenado da multiplicação celular, provocado pela ativação dos genes estimulantes do crescimento e da divisão celular, ou a perda do controle sobre essa atividade. Estaríamos, portanto, diante de uma doença de origem genética. No entanto, como já compreenderam os estudiosos, esses genes que desencadeiam a desordenada tara de multiplicação celular não seriam estranhos ao nosso genoma. São genes normais que adquirem, em determinada época de nossas vidas, um comportamento distorcido – o que em genética é chamado de mutação, e o gene mutante, de mutagene. Assim, a doença faz parte da natureza e seria desencadeada nada mais que por um acidente genético, uma fatídica casualidade a acometer aleatoriamente não só os seres humanos, mas todo e qualquer ser vivo.

E, de fato, encontra-se comumente o câncer entre os animais, ainda que os silvestres, e até mesmo no reino vegetal.

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O câncer na natureza: na raiz de uma planta, em uma pitangueira e em um animal silvestre (da esquerda para a direita).

O aumento do ritmo de crescimento celular segue duas orientações básicas: pode dar-se de forma ordenada, ainda que aceleradamente, ou ocorrer de maneira completamente caótica. No primeiro caso, temos os chamados tumores benignos, os quais crescem de forma mais lenta e organizada, não comprometendo sobremodo a saúde humana. O segundo caso corresponde aos denominados tumores malignos, todos englobados sob a denominação geral de câncer.

A célula cancerosa, sempre ávida por crescer ilimitadamente, adapta-se com sabedoria a ambientes orgânicos muito diferentes de onde partiu, espalhando-se facilmente por todo o organismo – comportamento esse denominado metástase. Trata-se, portanto, de uma entidade aparentemente muito mais poderosa que uma célula normal, dotada da mais incrível vontade de viver e de se expandir. E no desempenho desse objetivo, ela se habilita a impressionantes perícias de sobrevivência e de domínio de suas congêneres normais.

E pode originar-se de qualquer de nossos órgãos. No entanto, sem que se saiba exatamente por que, alguns sítios mostram-se mais propícios ao seu desenvolvimento, como as mamas nas mulheres, e a próstata nos homens. A seguir apresentamos uma tabela com os principais locais onde se originam tumores malignos em nossa espécie:

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A medicina moderna serve-se de várias palavras para designar o câncer, que consideram o local onde crescem e as características de suas células de origem. No entanto, duas são as mais comuns: carcinoma e sarcoma. O primeiro termo refere-se aos tumores malignos que nascem dos tecidos epiteliais ou glandulares. Já o segundo, designa aqueles que proliferam a partir de células mesodérmicas, ou seja, as células dos tecidos conjuntivos, abaixo dos epitélios, que formam ossos, músculos, vasos sanguíneos, gorduras etc. Os sarcomas, de modo geral, fazem-se acompanhar do nome do órgão de onde se originaram, por isso encontraremos nos textos médicos denominações como osteossarcoma (tumor ósseo), mielossarcoma (tumor da medula) etc. Já os carcinomas que se desenvolvem ou se manifestam em glândulas e têm características secretoras são chamados de adenocarciomas.

UMA DOENÇA MODERNA?

Ao contrário do que muitos pensam, o câncer não é uma doença moderna. Sua incidência sempre foi significativa em nossa espécie, assim como na própria natureza. Ocorre que se trata de uma enfermidade de modo geral relacionada à idade – exponencialmente em certos casos. Como hoje a vida humana está sendo prolongada, as chances de desenvolvimento de tumores estão consequentemente aumentando. Além disso, os métodos diagnósticos são na atualidade inquestionavelmente muito mais precisos, propiciando-se a correta identificação das reais patologias que acometem e levam os seres humanos à morte. Por isso, a ocorrência de câncer encontra-se em franco aumento em nossa espécie. Representa hoje, de modo geral em todos os países, a segunda causa de morte humana. Em 2010, 7 milhões de pessoas morreram de câncer no mundo2. E uma mulher em cada três e um homem em cada dois desenvolvem câncer ao longo da vida, representando 15% de todos os falecimentos no planeta2. A seguir apresentamos uma tabela com as principais causas de morte em nosso país, lembrando que o termo “neoplasia” (13,7%) é a designação médica geral para os tumores, como veremos a seguir8.

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O CÂNCER ATRAVÉS DOS TEMPOS

O câncer deixou vários vestígios de sua manifestação nos registros da história humana. Na Antiguidade, o caso mais famoso é o descrito por Heródoto (485?-420 a.C.). Relata-nos o historiador grego o drama da rainha Atossa, esposa de Dario, o célebre imperador persa que governou sobre o vasto território, da Líbia ao Golfo Pérsico, no século V a.C. Atossa, que contava com 40 anos, apresentou-se, segundo Heródoto, com uma massa tumoral na mama. Tratada sem sucesso pelos médicos da corte de Dario, pediu ao escravo grego Democedes que lhe extirpasse o seio doente, o que precipitou sua morte.

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Busto da rainha persa Atossa

No entanto, há relatos ainda mais antigos do que o de Heródoto. Em 1862, em Luxor, no Egito, foi descoberto um papiro datado do século VII a.C., contendo uma transcrição dos ensinamentos do médico egípcio Imhotep (aproximadamente 2650-2600 a.C.), elevado pelos egípcios à condição de “deus da medicina”. Nesse papiro, escrito, segundo estimativas, no ano 2625 a.C., Imhotep discorre sobre 48 casos de doenças, sendo o 45º um câncer de mama. Ele o descreve como uma massa dura, fria e saliente no seio de uma mulher, acompanhado de inchaços menores espalhados ao redor, também firmes e frios ao tato. Comparando o tumor a uma hemat verde, uma fruta típica de sua época, ele finaliza seu texto considerando laconicamente: “não existe terapia”.

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O papiro de Imhotep – 2625 a.C.

Além desse famoso relato, em 1914, arqueólogos identificaram, nas catacumbas de Alexandria, uma múmia de dois mil anos com um tumor no osso da bacia. E mais recentemente, Salima Ikram, uma pesquisadora da American University in Cairo, realizando estudo de tomografia computadorizada de alta resolução, descobriu que outra múmia egípcia de 2.200 anos morrera aos 40 anos com câncer de próstata.

Em 1990, o professor Arthur Aufderheide, da Universidade de Minnesota, descobriu também entre as múmias do deserto de Atacama, no Peru, datadas de mais de mil anos, uma mulher, com aproximados 30 anos de idade, com os sinais da patologia que a levara à morte: um osteossarcoma, um tumor maligno dos ossos.

E Louis Leakey, outro arqueólogo moderno, descobriu, na África, uma arcada de um hominídeo de 2 milhões de anos com a mandíbula tomada por uma massa cancerígena. 

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O arqueólogo Louis Leakey

Todas essas descobertas atestam-nos que estamos diante de uma enfermidade antiquíssima que vem acompanhando e “torturando” o espírito em evolução desde priscas eras, expressando-se, inclusive, nos mais primitivos reinos de sua manifestação na matéria.

 

BREVE HISTÓRIA DO CÂNCER

Acredita-se que foi Hipócrates (460-370 a.C.), o famoso médico grego, considerado o pai da medicina e criador da primeira escola médica instituída no mundo no século V a.C., quem pela primeira vez empregou a palavra “karkinos” para designar os tumores malignos encontrados nos seres vivos. Traduzido por “câncer”, em latim, esse termo significa caranguejo em nosso idioma. Conta a tradição que Hipócrates, ao palpar as formações malignas superficiais, julgou-as muito parecidas a esse crustáceo, pela mesma sensação que nos dá ao toque a sua dura e fria carapaça, sendo as ramificações em torno do nódulo principal muito semelhantes às suas dez patas.

Os mesmos gregos evocaram também a palavra “onkos” para designar os tumores. Termo que significa “fardo”, traz-nos a ideia de um verdadeiro peso ou carga, difícil de suportar-se, que os doentes devem transportar pela vida, sem que o desejem. Dessa palavra a medicina moderna formou os vocábulos “oncologia” e “oncologista”, para designar a especialidade e os profissionais que estudam e tratam os tumores, respectivamente.

Para explicar sua origem, Hipócrates seguia a tese aventada pelos gregos de modo geral. Segundo eles, o universo seria um composto de quatro elementos, o fogo, o ar, a água e a terra. Da mistura dessas substâncias originavam-se todos os compostos existentes em nosso mundo. O corpo humano seria igualmente formado por esses quatro elementos – o sangue corresponderia ao fogo, a bile amarela ao ar, a linfa ou fleuma à água, e a bile negra à terra. As diversas patologias humanas seriam então produzidas por um desequilíbrio, em falta ou excesso, desses chamados quatro humores. Intuía assim Hipócrates que o câncer adviria de uma produção excessiva do mais denso e agressivo dos humores: a bile negra. Desse modo, a massa tumoral seria o resultado da absorção do nocivo acúmulo desse quarto elemento. Curiosamente, também segundo os gregos, esse mesmo líquido viscoso e negro seria o responsável pela depressão. Essa é a razão pela qual se denominava essa enfermidade de “melancolia” – palavra então formada por “melas”, que significa negro, e “khole”, a bile.

Hipócrates havia já observado que a simples remoção do tumor principal agravava a condição do doente, levando-o ao mais rápido desenlace. Por isso, deixou-nos a recomendação: “Melhor não tratá-lo, porque assim os doentes vivem mais tempo”.

Galeno (129?-217), o segundo mais importante médico grego, dando sequência ao pensamento hipocrático, estava convencido também de que o câncer era produto da bile negra aprisionada, a qual, não tendo por onde escoar, concentrar-se-ia em determinado sítio, formando assim a massa tumoral. E confirmava a observação do pai da medicina: se o tumor principal fosse extirpado, a bile negra excedente voltaria a refluir, infiltrando-se por outros cantos do organismo. Em razão dessa assertiva, durante toda a Idade Média e até o final do século XIX, era considerado grave erro médico a retirada de um tumor. Curiosamente, nos nossos dias, os oncologistas já observaram que um tumor em avançado grau de desenvolvimento, por algum motivo ainda ignorado, inibe o crescimento de tumores menores, e a sua remoção de fato quase sempre leva a uma rápida disseminação de metástases.

A medicina medieval, afeiçoada aos ensinos de Galeno, intentava toda sorte de artifícios para evacuar a bile negra acumulada. Quase sempre com graves prejuízos para os enfermos, empregavam-se sangrias, vesicatórios (substâncias que produzem vesículas na pele), ventosas, purgativos e laxantes. Além disso, utilizava-se também uma série de medicamentos, todos destituídos de qualquer fundamento lógico, dentre os quais os mais conhecidos eram extrato de chumbo e de arsênico, dente de porco do mato, pulmão de raposa, pó de marfim ou de coral, esterco de cabra, rãs, pé de corvo, erva-doce, fígado de tartaruga e uma lista interminável de novos compostos, renovando sempre as promessas de uma cura milagrosa.

Esse quadro perdurou até o início da Idade Moderna, quando o médico belga, Andreas Vesalius (1514-1564), considerado o pai da anatomia, disposto a escrutinar o corpo humano em busca de sua exata configuração anatômica, terminou por descobrir a inexistência da chamada “bile negra”. Ele identificara precisamente o sangue a percorrer artérias e veias, a linfa acomodada nos vasos linfáticos e a bile restrita ao fígado, mas não encontrara em nenhum lugar o líquido lodoso que se responsabilizaria pelo câncer e pela depressão. E tampouco reconhecera os canais que transportariam a bile negra pelo organismo. Essa descoberta, somada ao fim da medicina dos humores, encorajou os médicos, a partir do século XVII, a retomarem a remoção cirúrgica dos tumores, prática que se disseminou, sobretudo, após o advento da anestesia, em meados do século XIX.

A natureza do câncer, do ponto de vista material, fora, no entanto, definitivamente desvendada pelo médico e pesquisador alemão Rudolf Virchow (1821-1902). Virchow teve a ideia de empregar o microscópio, já utilizado desde o século XVII pelo neerlandês Leeuwenhoek (1632-1723), para estudar as enfermidades humanas. Facilmente ele constatou que toda doença era na verdade um distúrbio da célula e não uma perturbação de humores, como até então se acreditava. Com Virchow, então, a patologia humana deixou definitivamente as “partes humorais” para se fixar nas “estruturas sólidas” do organismo.

Ao examinar tecidos cancerosos no microscópio, Virchow facilmente verificou que as células se mostravam bizarras e grotescas, com os núcleos dilatados e presença de mitoses (a divisão celular) anormalmente elevadas. O pesquisador terminou assim por constatar que o câncer era produzido por uma exagerada e desordenada reprodução das células. Ele criou o termo hipertrofia para designar o excessivo crescimento da célula; hiperplasia, para o aumento do número de células de um dado tecido; e neoplasia, para o aparecimento de novos tecidos que de forma inexplicável incorporam-se aos já existentes. O câncer caracterizou-se assim, com Virchow, como uma hiperplasia patológica, na qual as células adquirem vontade própria e passam a se reproduzir de forma autônoma e anárquica.

Pouco depois das observações de Virchow, em 1879, Walther Flemming (1843-1905), um biólogo alemão, descobriu que os núcleos celulares transportavam estruturas (coradas em azul pela anilina), as quais denominou cromossomas (corpos corados). E verificou que esses cromossomas se apresentavam curiosamente em uma quantidade fixa e em pares, em todas as células de cada espécie de ser vivo. As células humanas, por exemplo, mostravam invariavelmente a presença de 23 pares de cromossomas, em qualquer delas (exceto espermatozoides e óvulos que trazem 23 cromossomas não em pares, mas em formações unitárias). Abria-se o caminho para a genética moderna, pois logo se constataria que essas estruturas, em forma de bastão e entretecidas com seus delicados fios azuis, transportavam os genes. Os genes, cujo conjunto se chama genoma, por sua vez, são formados por uma complexa molécula, o DNA (abreviatura em inglês de ácido desoxirribonucleico), que traz gravado em informações bioquímicas o exato sequenciamento de átomos que formam as proteínas, os tijolos de nossas células. Essa sequência, inscrita em impecável lógica, é o chamado código genético.

David Paul von Hansemann (1858-1920), outro patologista alemão, assistente de Virchow, aproveitando a descoberta de Flemming, constatou, em 1890, que, nas células cancerosas, os cromossomos apresentam-se desfigurados, partidos e reagrupados, não nos comuns pares, mas em grupos de três ou quatro. Descobria-se, enfim, a natureza genética dos tumores malignos.

E hoje, os geneticistas terminaram por identificar com precisão vários grupos de genes, aos quais se responsabiliza o desenvolvimento do câncer. A doença revelou-se assim ser essencialmente uma enfermidade provocada por mutações em nossos genes. E constatava-se que essas mutações podem ocorrer por mero acaso ou ser induzidas por agentes físicos (irradiações), químicos (asbesto e cigarro, por exemplo), ou mesmo biológicos (bactérias e vírus). Especialmente os vírus, pela capacidade que detêm de incorporar pacotes anômalos de genes no genoma celular. Além disso, alguns tumores alimentam-se de estímulos hormonais, naturais ou induzidos, como o estrógeno e a testosterona – são os chamados tumores hormônio-dependentes.

A NATUREZA DO CÂNCER, SEGUNDO A CIÊNCIA MODERNA

O mau funcionamento (ou um funcionamento bem conjugado a despeito de mal-intencionado, como veremos a seguir) dos genes está na raiz de todo câncer. No entanto, descobriu-se, não se trata de genes estranhos ao organismo, mas sim, dos próprios agentes genéticos inseridos em nossas células. Por isso, diz-se em medicina que o câncer é uma doença endógena (palavra formada por endos = interior, e gene = origem).

Desse modo, os geneticistas foram convocados ao trabalho da identificação precisa dos oncogenes (os genes cancerígenos), a fim de se permitir futuro desenvolvimento de agentes químicos eficazes, capazes de interferir na sequência de eventos produtores de tumores. Abria-se, assim, a esperança de uma cura tecnológica para a mais grave enfermidade a “constranger o pobre ser humano”.

E logo, de fato, nos últimos anos do século passado e primeiros de nossa era, foram reconhecidos vários oncogenes, denominados ras, myc, Rb, neu, BRCA-1, BRCA-2 e muitos outros.

Entrementes, assustados, os geneticistas modernos descobriram que as mutações que levam ao desenvolvimento do câncer não são simples modificações em um único gene, mas envolvem complexas alterações em intricados grupos de genes. Além disso, verificava-se que o sequenciamento genético dos tumores não se dá ao acaso, mas faz-se segundo uma ordem lógica e concatenada. Diversas mutações se combinam perfeitamente para produzir um resultado que, ao que tudo indica, está bem determinado e conhece seu objetivo: produzir um grupo de células ávidas por crescer, reproduzir e adaptar-se à sobrevivência nos mais diferentes ambientes orgânicos, como se almejassem nada mais que assumir o comando do próprio organismo onde se assentam. Trata-se de uma finalidade muito bem planejada que não se pode explicar por simples mutações casuais, pois, de modo geral, adulterações impostas ao acaso ao genoma terminam simplesmente por inviabilizar o funcionamento da célula – ao contrário do que ocorre no processo oncogênico.

No câncer de mama, por exemplo, já foram identificados 127 sequenciamentos mutacionais muito bem concatenados, as chamadas mutações condutoras, que desempenham papel fundamental na oncogênese7. Além do mais, novas mutações são criadas pelo tumor, à medida que ele avança, a fim de serem vencidos certos obstáculos, como a formação de uma vasta rede sanguínea de abastecimento do tumor (angiogênese) e a criação de mecanismos de resistência às drogas desenvolvidas pela inteligência humana. Isso faz do câncer uma verdadeira e inteligente heterogeneidade genética. Na atualidade, a ciência humana arvora-se em desvendar toda a trama genética dos tumores, perseguindo com ardor o chamado Atlas do Genoma do Câncer – assim como o Projeto Genoma Humano fizera com nosso código genético normal. Os olhos modernos dirigem-se agora para a oncologia molecular, capaz de identificar, como o vem fazendo, as peculiaridades genéticas dos tumores, para então atacá-los em seus pontos frágeis com medicamentos e procedimentos altamente específicos, alcançando assim melhores chances de impor um controle definitivo à doença. Por exemplo, os tumores hormônio-dependentes são atualmente tratados com bloqueadores de ação hormonal; outros, pelas suas características, são submetidos à exérese cirúrgica, à radioterapia e à quimioterapia, combinados ou isoladamente; enquanto aqueles que se mostram mais suscetíveis à angiogênese recebem inibidores da formação de vasos sanguíneos, visando a cortar o suprimento da lesão.

A célula cancerosa, a despeito de seu comportamento aparentemente desordenado, segue algumas regras básicas. Suas mutações genômicas, que são muito numerosas, executam alterações conjugadas em uma sequência lógica, determinando trajetórias genéticas altamente intricadas. Enquanto alguns genes mutantes inibem, outros estimulam funções celulares, em uma ação coordenada e inteligente que curiosamente termina por produzir o efeito desejado: o crescimento ilimitado e o domínio de todas as reservas orgânicas. Trata-se, portanto, de uma complexidade mutacional que conhece finalidades a serem alcançadas e não de alterações aberrantes e casuais em um único segmento do nosso DNA.

E, de forma intrigante, sem que se conheça exatamente o motivo, as células cancerosas são dotadas de uma refinada sabedoria que as leva a sobreviver em ambientes muito diferentes daqueles em que foram geradas. Criam resistências ao ataque das células sadias, e aos medicamentos que se desenvolvem para combatê-las. Podem se espalhar pelo organismo, invadindo qualquer sítio, mas parecem escolher locais reservados para se desenvolverem mais à vontade – muitos tumores, por exemplo, terminam por se assentar no resguardado sistema nervoso central, protegido pela chamada barreira hematoencefálica, onde dificilmente podem ser atacados pelo sistema imunológico ou os quimioterápicos. Cuidam de gerar uma vasta rede de vasos sanguíneos extras, a fim de ter assegurado o aporte de nutrientes para suas sempre ávidas células – a angiogênese tumoral. E um sábio mecanismo genético, denominado ampliação, multiplica a ação dos oncogenes, propiciando aos tumores maior agressividade, tornando-os praticamente imbatíveis pelo organismo e altamente resistentes às drogas antineoplásicas.

Vê-se, assim, que, na aparente desordem do câncer, há princípios organizacionais e um claro objetivo a ser cumprido, cujas origens desafiam a compreensão humana. Esses fatos levaram muitos pesquisadores a suspeitar da existência de hierarquias mais profundas e superiores produzindo o câncer, da qual poderia derivar a complexa e bem concatenada sequência mutacional que orienta a sua formação.

Por isso hoje se pergunta se a batalha contra o câncer deve seguir o caminho tecnológico, penetrando cada vez mais nos mecanismos genéticos da intrigante enfermidade. Não estaríamos combatendo nada mais que as consequências e não as verdadeiras causas dos tumores? Não vale questionar a existência de um comando central que tanto criaria quanto manteria o funcionamento normal de nosso código genômico? Nesse caso, a doença poderia ter sua origem nessa direção superior, que, uma vez adulterada, induziria ao sequenciamento lógico observado na mutagene tumoral.

Com certeza continuaremos a carregar o pesado fardo de “onkos” até o dia em que compreendermos que a doença está consolidada como uma perturbação da própria natureza humana e mesmo da vida na Terra. E dispormo-nos a modificar substancialmente as reais e mais profundas causas que desencadeiam a indesejável ocorrência de “karkinos” em nossas vidas.

 

METAFÍSICA DO CÂNCER

Naturalmente que, do ponto de vista fideísta, pressupõem-se que nosso Universo esteja sob o domínio absoluto de uma Inteligência Superior que o criou e orienta a condução de todos os seus íntimos processos. Assim, de acordo com as teses espiritualistas, não se concebe a existência do acaso em qualquer instância da Criação, pois nada poderia escapar ao preponderante controle divino.

Por isso, busca-se diferentes explicações para a origem de tão curiosa e agressiva enfermidade, fora do campo do acaso e da atuação do caos – fundamentos que se pressupõem inexistentes em uma obra de um Criador perfeito e atuante. Dentro desse princípio é que se erguem as teses espiritualistas, entre as quais a principal e mais difundida em nossos dias, sobretudo em nosso meio, é a derivada da ciência espírita. Apresentemo-la, ainda que rapidamente, buscando pelas suas ricas possibilidades. Não nos eximiremos, no entanto, de ressaltar seus pontos ainda obscuros. Nossa intenção não é criticar crença tão bem assentada e tão consoladora, porém unicamente demonstrar que lhe falta a revelação de Ubaldi para que suas proposições alcancem maior exatidão.

A ciência espírita parte do acertado pressuposto de que nossa organização física é uma entidade orientada pela consciência, nosso ser eterno, através de um segundo corpo, o perispírito. Estruturado em substância não física, ainda incompreendida pela ciência humana, tal organismo sutil seria o responsável não só pelo sustento energético como pela orientação de nossas células, promovendo-lhes as inúmeras diferenciações, necessárias aos trabalhos específicos que executam. Chamado Modelo Organizador Biológico (MOB) pelo Dr. Hernani Guimarães Andrade, Campo Biomórfico pelo biólogo inglês Dr. Rupert Sheldrake e perispírito pela ciência espírita, esse corpo etéreo guiaria a anatomia e a fisiologia celular, desde a intricada embriogênese no seio uterino até as interações e especializações celulares encontradas na organização humana. Formas, disposições, ritmo de crescimento e a afanosa e organizada tessitura biomolecular empreendida pelas células seriam, portanto, funções orientadas com sabedoria por esse campo espiritual, sob a regência do espírito imortal. E assim se explica a coerência, a harmonia e a eficácia de entidades menores, que não podem conhecer as necessidades e o fim último do conjunto ao qual pertencem. As células, por exemplo, sintetizam enzimas e hormônios com a exata conformação de receptores em membranas de outras células, posicionadas em sítios muito distantes de onde vivem e com as quais jamais estiveram em contato – uma tarefa parecida com um chaveiro que deve confeccionar chaves para fechaduras que não tem em mãos para conhecer o preciso molde.

A noção desse comando central, conferindo interatividade e coordenação ao vasto trabalho celular a serviço da vida, não é um conceito novo. Muitos pensadores o imaginaram e o deduziram por suas observações. O próprio pai da fisiologia médica, o ilustre francês Claude Bernard (1813-1878) já havia constatado essa necessidade em seus estudos, afirmando: “Em todo ser vivo há uma ideia dirigente a manifestar‐se e a desenvolver‐se em sua organização”.

Uma vez que aceitamos a tese da existência de um controle diretor, o espírito, e seu sutil campo de ação, o perispírito, compreenderemos com facilidade que modificações desse ordenamento central podem promover roturas no tecido biomagnético sustentador das formas biológicas, a refletir-se diretamente na conformação, no trabalho e na vida celular.

Segundo André Luiz, famoso orientador espiritual, nossas células são “animálculos infinitesimais domesticados”1, a serviço de nossa unidade orgânica. Recebem, assim, permanentemente, instruções e executam ações determinadas pelo campo energético perispirítico que as orienta. Na falta dessa sábia orientação superior, as células deixam-se conduzir nada mais que por seus cegos automatismos, segundo suas próprias naturezas.

Dessa maneira, defeitos nessa interface físico-etérea é que se responsabilizariam, em última instância, pelas patologias celulares, dentre elas, naturalmente, o câncer. Sem o sustento e a orientação do campo perispirítico, as células desorientam-se, modificando substancialmente suas formas e funções, desencadeando, dessa maneira, nossos diversos tipos de tumores. Nessa condição, as células perdem suas características e a orientação espacial que lhes é própria, tornando-se indiferenciadas, facilmente passando à multiplicação descontrolada.

Resta, assim, explicar exatamente o que causa essa falha energética da fisiologia transcendental, definida por muitos, no caso do câncer, como um “esgarçamento do perispírito”. Segundo estudiosos da Doutrina Espírita, embasados por vasta literatura mediúnica, nossos delicados tecidos perispiríticos são altamente suscetíveis à prática da maldade. A violência e a crueldade desferidos contra os demais, voltam-se, por efeito da lei de ação e reação, contra seu próprio autor, ocasionando o esgarçamento energético típico dos tumores malignos. O câncer então, em última análise, seria um trauma causado pela introjeção da própria violência humana8.

“Perturbações em prejuízo dos outros, plasmam, nos tecidos fisiopsicossomáticos que nos constituem o veículo de expressão, determinados campos de ruptura na harmonia celular. Desarticulado, pois, o trabalho sinérgico das células nesse ou naquele tecido, aí se interpõem as unidades mórbidas, quais as do câncer” – assevera-nos o mentor André Luiz, na famosa obra Evolução em dois mundos1, psicografada por Francisco Cândico Xavier em 1958.

“Toda violência praticada por nós, contra os outros, significa dilaceração em nós mesmos” – afirma-nos também Dias da Cruz, na obra Vozes do Grande Além, também psicografada por Chico Xavier em 1957.

Uma vez desencadeado o esgarçamento perispirítico, as células físicas perdem o íntimo contato com as ordenações fisiopsicossomáticas, ficando assim à mercê de seus próprios automatismos. E, tal como o sangue, que, ao transbordar de um vaso sanguíneo, amontoa-se desordenadamente na tentativa de deter a evasão do fluxo, nossas células igualmente se espalhariam, multiplicando-se apressadamente em formações caóticas, no intento de estancar a esgarçadura biomagnética9.

Um intuito de reparação energética estaria então na raiz da patogênese metafísica do câncer, representando, portanto, nada mais que um processo de cura da alma imortal. Ainda que desencadeie a completa desorganização física e possa levar ao desenlace final do enfermo, o processo resulta invariavelmente em ganho por promover a recomposição da lesão perispiritual básica. Segundo os ensinos espíritas, a natureza priorizaria, nesse caso, a integridade de nossa consciência e a saúde de nosso corpo perispirítico, sacrificando, para isso, muitas vezes, nossa vida e nosso bem-estar na carne.

E compreende-se que tal processo de cicatrização perispiritual poderia ocorrer na mesma encarnação em que foi desencadeado ou, o que parece ser mais frequente, em existências carnais muito posteriores aos atos praticados. Não obstante, tudo nos leva a crer que enfermidades de tais montas resultam de profundas e antigas lesões perispiríticas, que tardam séculos para aflorar na carne. Fato que justificaria sua ocorrência em indivíduos comumente dotados, no momento em que as sofrem, de bom e aparentemente adequado comportamento, não trazendo em suas histórias de vidas atuais qualquer traço do mínimo delito que seja contra a felicidade alheia.

A partir dessa rotura perispiritual básica é que os fatores predisponentes entrariam em ação. Assim, hábitos, exposição a radiações, perturbações emocionais, ambientais e agentes infecciosos permanecem como agentes secundários, que determinariam não a origem em si de um tumor maligno, mas a sua excitação, a partir da predisposição cármica individual. Explica-se, assim, exatamente, por que uns adoecem gravemente enquanto outros se mostram imunes à interferência desses elementos desencadeantes.

Seguindo a coerência desse raciocínio, a cura efetua-se pela própria precipitação do fenômeno no corpo físico, o que comumente chamamos de drenagem mórbida. Contudo, o real processo de cura passa a incorporar agora elementos de ordem moral e comportamental, que interferem não só na gênese de novos tumores como também na real solução da lesão vigente. Por isso, André Luiz agrega, categoricamente, na obra citada: “Quando o doente adota comportamento favorável a si mesmo, (…), as forças físicas encontram sólido apoio nas irradiações de solidariedade e reconhecimento (…), conseguindo circunscrever a disfunção aos neoplasmas benignos, que ainda respondem à influência organizadora dos tecidos adjacentes”.

 Finalizando, conclui-se facilmente, que, sob a ótica espírita, as neoplasias não são castigos divinos, mas sim processo de recomposição e cicatrização de nossas malhas perispirituais, esgarçadas pelas crueldades que praticamos contra nossos irmãos de jornada, normalmente em vidas pregressas9.

Explicação que, naturalmente, não se pode contrapor pela imensa lógica que traz e a capacidade de recompor a Justiça Divina, que não permitiria que adoecêssemos de enfermidade tão drástica ou mesmo outra qualquer escabrosa moléstia sem uma imprescindível razão que a justificasse.

Restaria, porém, à tese espírita, explicar alguns pressupostos que escapam à sua dialética. Por exemplo: por que os animais, e mesmo os vegetais, também desenvolvem câncer; por que a doença se torna necessariamente mais incidente à medida que a raça humana aumenta sua longevidade na carne; e por que a maldade é tão severamente coibida pelas leis divinas em seres humanos que a empreendem quando ainda ignorantes, deixando-se levar nada mais que pelos hábitos necessariamente automatizados ao longo do demorado estágio na selvageria dos mundos primitivos e bárbaros.

 

O CÂNCER SOB A ÓTICA DA HOMEOPATIA

Completando a metafísica do câncer, é bom que conheçamos, ainda que ligeiramente, um pouco do que nos revela a ciência médica instituída na Terra pela sabedoria de Samuel Hahnemann. O fundador da homeopatia, a partir das observações dos efeitos de seus medicamentos ultradiluídos, desenvolveu uma interessante teoria, segundo a qual a vida seria produzida por um impulsor fundamental, de natureza imaterial ou dinâmica, que ele denominou força ou energia vital. As enfermidades adviriam fundamentalmente de perturbações dessa força vital, as quais posteriormente terminariam impressas no corpo físico, na forma dos diversos e conhecidos distúrbios orgânicos e seus muitos sintomas11.

Por faltar-lhe palavras adequadas para denominar os novos conceitos que suas observações e sua apurada intuição lhe suscitavam, Hahnemann chamou de miasma a essa pulsão alterada da força vital. Definida por ele como uma perturbação dinâmica, esse campo sutil mórbido impregnaria o organismo como uma emanação essencial, induzindo-o ao adoecimento natural12.

Palavra em desuso no jargão médico, se consultarmos o termo miasma nos dicionários correntes encontraremos que designa espécie de “emanação a que se atribuía o contágio das doenças infecciosas e epidêmicas”, além de referir-se à “exalação pútrida que emana de animais ou vegetais em decomposição” (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa). A homeopatia incorporou-o, no entanto, com o significado de uma pulsão ou força enfermiça, não pertinente ao domínio físico do ser humano, de natureza energética e indutora das subsequentes perturbações orgânicas.

O moderno conceito de campo da Física ajuda-nos a entender muito bem o que seria o miasma homeopático. Define-se campo como a “região sob influência de alguma força ou agente físico – por exemplo, campo eletromagnético, campo gravitacional etc.” Assim, de igual modo, poderíamos admitir a existência de uma força ou tendência orgânica capaz de gerar em seu raio de manifestação um campo mórbido. Este seria o miasma hahnemanniano, passível de impregnar uma determinada região do organismo, levando suas células a se perturbarem. Hahnemann introduz-nos assim no conceito de uma entidade dinâmica ainda não identificada ou definida pela ciência atual, mas que pode muito bem ser constatada pelos seus efeitos11.

Observando o comportamento das perturbações miasmáticas em nossa espécie, o fundador da homeopatia, nos profícuos oito últimos anos de sua vida, compreendeu que elas podem se manifestar de três maneiras distintas: existem aquelas que se restringem a perturbar as funções celulares; outras produzem perda de massa orgânica, ocasionando ulcerações e eliminações pútridas; e temos as que induzem o organismo a construções impróprias, que crescem além de seus naturais limites. As primeiras são as doenças funcionais, responsáveis pelas disfunções orgânicas, os defeitos de funcionamentos de nossos órgãos, sem que sofram perda ou ganho de massa; as segundas representam as enfermidades de caráter destrutivo, aquelas que levam à subtração de tecidos; e as últimas assinalam as moléstias de aspecto neoformativo ou produtivo, que produzem sempre o aumento de biomassa. Em resumo, para Hahnemann existiriam então três formas básicas de se produzir o adoecimento humano: a doença funcional, a degenerativa e a hiperformativa, respectivamente. O mestre da medicina dos semelhantes, mais uma vez, por faltar-lhe terminologia mais adequada, denominou o primeiro distúrbio, a disfunção, de Psora (termo grego que significa mancha); o segundo, a perturbação de caráter destrutivo, de Sífilis, por ser esta, em sua época, a mais comum das enfermidades que roubam massa do organismo; e ao adoecimento hiperformativo de Sicose (palavra também de origem grega que significa verruga, o mais frequente dos crescimentos orgânicos impróprios)12.

Psora, Sífilis e Sicose passaram então a designar, em homeopatia, as três formas de adoecimento “miasmático” ou energético do homem, capazes de induzir-lhe as lesões orgânicas conhecidas. Ressaltemos que Hahnemann referia-se a forças mórbidas que levam o organismo a adoecer, e não a entidades clínicas propriamente ditas12.

Com o avanço das perquirições e pesquisas homeopáticas, chegou-se, enfim, à compreensão de que os miasmas partem não de meros caprichos da força vital, mas dos estados psíquicos e emocionais do ser humano, os quais se tornam então o foco de toda e qualquer enfermidade. A Psora foi compreendida como oriunda da instabilidade emocional, da vivência inadequada de nossas angústias existenciais, em suas expressões de carências, temores e culpas, experienciadas como ansiedades, inquietudes e inseguranças. Se encontramos então um ser humano com seu sofrimento fixado em angústias, sentindo-se portador de carências as mais diversas e sofrendo-as de modo inadequado, identificamos nele a manifestação da Psora. Se, no entanto, esse mesmo indivíduo encontra-se dominado pelo desalento, com intenção de abandonar suas atividades e refugiar-se em estados depressivos, ele estará alimentando o miasma sifilítico. E, pelo contrário, se o entusiasmo lhe excede e ele parece estabelecer-se em um patamar de superioridade de suas forças psicofísicas, então o veremos sob os embalos da Sicose. Identificamos assim um estado mental distônico fundamental, um hipotônico e outro hipertônico, a alimentar, respectivamente, a Psora, a Sífilis e a Sicose, nos domínios dinâmicos e físicos do ser humano, configurando posteriormente suas correspondentes enfermidades físicas15.

A partir dessas pertinentes observações, modernos estudiosos da homeopatia propuseram então que a Psora fosse também denominada egodistonia, representando as desarmonias do ego humano; a Sífilis homeopática, egolise (do latim ego, o eu de qualquer indivíduo, + lýsis, do grego, que é rotura ou quebra), configurando os estados degenerativos endógenos do homem; e egotrofia (ego+trophía, do grego, nutrição ou desenvolvimento) para os quadros de manifesto exagero do ego15,16.

A homeopatia passou assim a entender e estudar os miasmas como consequência direta dos estados vividos e alimentados pela personalidade humana. São hábitos com que se veste a personalidade. E chega-se, assim, à compreensão de que o homem adoece como um todo, desde seus planos mais profundos aos superficiais, sendo o corpo físico um espelho daquilo que se passa em sua intimidade psíquica, emocional e dinâmica. Se identificamos, então, uma doença degenerativa de qualquer natureza, encontraremos seguramente o predomínio dos estados egolíticos em algum momento da vida do enfermo. E se estamos diante de um nítido adoecimento hiperfuncionante e hiperformativo, seja orgânico ou mental, reconheceremos que a egotrofia está ou esteve atuante na maior parte da existência do indivíduo.

Essas pulsões mórbidas nada mais seriam, no entanto, do que a expressão no campo orgânico da mesma dualidade de forças que impera em todo o nosso universo. Ou seja, todos os fenômenos universais estão subordinados a dois impulsos alternantes e complementares que se fundem para produzi-los: a contração e a expansão. Assim é que nosso cosmo se faz, em todas as suas instâncias, uma dança permanente de construções e destruições, mediante a combinação dessas duas potências, uma positiva e outra negativa. Psora e Sífilis correspondem ao estado negativo ou de contração das forças ego-orgânicas, e a Sicose, ao de expansão. E encontramo-nos com o fato de que nossa personalidade, assim como o universo, está permanentemente embalada por um pulso duplo de forças em oposição. São as mesmas forças yin e yang abraçadas na unidade do Tao, da concepção taoista e que embalam todos os seres vivos. E são os mesmos instintos erótico (amor, vida) e tanático (morte), identificados por Freud e em ação na instância psíquica do homem.

O tema abre-se a muitas conjecturas, porém não se trata do enfoque deste pequeno texto. E embora seja também importante o estudo detalhado da egodistonia e da egolise, devemos deixá-los para analisar com um pouco mais de detalhes o que ora nos importa na etiogenia do câncer: a tão comum egotrofia humana – a hipertonia do ego. Esse hábito, com o qual se expressa o ego em seus aspectos sentimentais e comportamentais, caracteriza-se pela supervalorização do próprio indivíduo em relação aos demais, ou seja, o egoísmo franco, a soberba desenfreada e as atitudes autoritárias e imperialistas, próprias daquele que se posiciona e se impõe sobre os demais – tendência normalmente acompanhada de excessivo entusiasmo, desmedida vontade realizadora, impetuosidade e agressividade, visando nada mais que a projeção da própria personalidade acima dos semelhantes15,16.

Deduz-se, assim, que por trás de toda doença de caráter hipertrófico e hiperformativo (as neoplasias) existe uma tara sicótica impulsionando as células ao exagerado desenvolvimento. E essa pérfida desorientação do campo vital advém nada mais que dos hábitos humanos de crescer além dos limites e impor-se sobre os demais – a expansão do ego além de suas barreiras naturais, ou a “supervalia” do eu. E assim se compreende que o câncer, do ponto de vista homeopático, é o resultado de nossos hábitos egotróficos empreendidos durante a vida (ou nossas muitas vidas) – uma sicose maligna, na linguagem de Hahnemann. Ou seja, se o organismo é impulsionado a produzir mais biomassa é por estar embalado por um correspondente pulso hipertônico (se há mais energia haverá também mais massa, por lei de equilíbrio). O câncer seria, então, o resultado, na carne, da máxima egotrofia do homem, nada mais que o reflexo de seu perverso comportamento ególatra diante de seus semelhantes. Observemos que essa perversão sicótica muitas vezes pode dar-se apenas no plano das intenções, uma vez que o homem adoece não somente por agir e atuar, mas igualmente por pensar e sentir de uma forma inadequada na vida15,16.

A seguir, no desenvolvimento de nosso pequeno trabalho, veremos que essa brilhante hipótese é inteiramente corroborada pelas revelações de Ubaldi, mostrando-se um retrato da realidade. Portanto, dificilmente conseguiremos contrapor-nos ao legado de Hahnemann. E agreguemos, sem demora, que ela encontra também uma correspondência na Doutrina dos Espíritos. André Luiz, no livro Evolução em Dois Mundos1, informa-nos que “o perispírito, (...) é suscetível de sofrer alterações com alicerce na adinamia, proveniente de nossa queda mental, ou na hiperdinamia, imposta pelos delírios da imaginação”. E agrega que nossas enfermidades “nascem do estado de hipo ou hipertensão do movimento circulatório das forças que nos mantêm o organismo sutil”. (Os destaques são nossos.) Vemos assim que o sábio mentor espiritual deixou-nos esboçada a mesma tese miasmática vislumbrada por Hahnemann, atestando-nos que os movimentos orgânicos de hipo ou hipertrofia são ocasionados por campos perispiríticos hipo ou hiperdinâmicos, respectivamente.

Abre-se assim para nossas conjecturas a perspectiva de que o câncer não resultaria de um esgarçamento perispiritual, ou seja, uma rotura de suas malhas energéticas, o que levaria ao pressuposto movimento de cicatrização dos tecidos físicos. Seria, sim, produto de um impulso hiperpositivo mórbido, uma hiperdinamia do campo biomagnético que nos sustenta – a “hipertensão das forças sutis”, como exarou André Luiz. Hiperdinamia que então estimula o alucinado desenvolvimento celular típico do câncer e que advém, em última análise, da egolatria humana. Poderíamos, assim, deduzir que aquilo que o mentor denominou de “delírios da imaginação”, talvez por faltar-nos ainda melhores condições de compreensão, refira-se às nossas comuns megalomanias, induzidas pelos desvarios da arrogância e do orgulho, desencadeados pelo ego doentiamente hipertrofiado.

Dessa forma, como sugere a homeopatia, faz-se a perfeita correspondência entre o caráter do câncer e o da pulsão enfermiça com a qual se move a personalidade. Ou seja, ambos situam-se na hiperpositividade doentia. E elucubramos que uma fenda biomagnética, como propõe a “teoria do esgarçamento perispirítico”, diria respeito muito mais a uma falha ou hipotonia dinâmica, e como tal, não se ajusta à natureza hiperformativa dos tumores.

E O QUE NOS DIZ UBALDI DE TUDO ISSO E QUE SE PODE DEDUZIR DE SUAS REVELAÇÕES?

O missionário da Úmbria deixou-nos como máxima revelação a informação de que vivemos em um universo deteriorado pela Queda do Espírito. Nas obras Deus e Universo e O Sistema, ele esclarece-nos, de forma magistral, como se deu a derrocada do Espírito, que somente pode ter sido criado no Seio do Absoluto, como herdeiro dos atributos divinos. Parte dos infinitos filhos de Deus, gerados sob o signo do amor e da liberdade, fora do tempo e do espaço, em um eterno presente, optaram por vivenciar, na máxima plenitude possível, todas as possibilidades do egoísmo. Em decorrência dessa infeliz escolha, essa facção de seres sofreu uma contração dimensional, cujo resultado foi a produção de matéria e energia, em uma nova e provisória realidade então inexistente: o ambiente espaço-tempo que ora nos acolhe. Nasce assim a criação relativizada em que vivemos, feito de matéria, energia, tempo e espaço. Esta não é, portanto, a obra original de Deus, mas um mundo secundário e degenerado, produzido pela revolta de uma porção dos infinitos filhos de Deus que negaram o convite da plena vivência do amor, usando o atributo da autonomia, que igualmente lhes fora conferido pela Bondade paterna.

Remetemos o estudioso interessado em aprofundar esse intrigante tema para as obras mencionadas, pois esta pequena dissertação não se propõe a revisar e discutir todo o alcance, bem como os possíveis empecilhos, dessa estupenda tese chamada Teoria da Revolta e da Queda do Espírito. Importa-nos agora considerar que essa Falência original se responsabilizou pelas injunções que caracterizam nosso universo, as quais nos guiarão na compreensão do câncer, o escopo principal do nosso estudo.

Observemos essas características: a primeira delas é a revolta. Um motim contra a ordem estabelecida pelo Criador encontra-se então na base dessa Queda espiritual. Ela intentou impor uma nova ordem à Criação, fundamentada em uma imprópria expansão do autocentrismo – um dos atributos dos filhos de Deus. Força indispensável à individuação da substância criativa original, o autocentrismo requeria o equilíbrio do amor para que o eu sou menor se mantivesse íntegro na perfeição absoluta. Os filhos da revolta, no entanto, negaram esse amor, optando pela dilatação do autocentrismo, gerando assim o egoísmo. Apartando-se do Todo, caíram na ilusão separatista, construindo, desse modo, um novo cosmo, feito de matéria, energia, espaço e tempo, o qual chamamos Relativo.

Rompendo com a ordem divina de origem, esse novo universo inicia-se na desordem absoluta de todas as suas forças. Sob o amparo da inteligência do Criador, que não o abandonou à própria sorte, esse novo cosmo, no entanto, logo inicia sua reorganização, fazendo-se um império de energias e matérias, e se estabelece no campo do espaço-tempo. A consciência espiritual, antes plena e preponderante, encista-se e morre na intimidade atômica. O anjo caído perde a “Vida Eterna” e se prende no átomo, tornando-se o próprio átomo. Como uma reação à contração inicial, deflagra-se a expansão evolutiva, a grande jornada de volta à Casa paterna. Os espíritos contraídos, no entanto, movidos por assaz egolatria e ávidos por dominar e sobrepor-se aos demais, como um eco da primeira revolta, instituem nos improvisados mundos primitivos que se formam, a grande luta pela sobrevivência – um regime impróprio de existência no qual a vida de um passa a depender da morte do outro. Nasce o inferno da matéria, feito de conflitos de interesses, destruição, dor e morte. Esse é o regime em que passamos a viver e que agora caracteriza o nosso cosmo, o qual muito mais que uma construção provisória, representa, na realidade, uma “doença no seio da eternidade”, no dizer de Ubaldi.

Um tumor encistado no homogêneo e puro campo divino original é outra comparação de que se serve o inspirado da Úmbria. Habitado por células tumorais, que são os espíritos que caíram, o universo degenerado somente poderia produzir desordem, dor e destruição, não fosse a preponderante intervenção divina que instiga todos a evoluir, a reorganizar-se e a eleger o amor como norma de conduta, na escalada dos milênios. E após cada derrocada dos filhos rebeldes, a sabedoria divina, agora oculta na intimidade fenomênica dessa nova realidade, reergue todos para a grande batalha da vida. Batalha que gera atrito, dores e mortes, mas cujo resultado final é a cura do imenso mal gerado pela Queda. Por isso, o progresso, impondo paulatina ordem à desordem da Queda, terminará por reconduzir todo o universo falido ao seu estado originário de perfeição.

Essa é a história do nosso cosmo e nossa própria história, cuja raiz se assenta na Grande Queda do Espírito, simbolizada na Bíblia pela desobediência e expulsão de Adão e Eva do Paraíso e pela Revolta e Queda dos Anjos.

Ubaldi chamou nosso universo, por situar-se nos antípodas da criação original, de Antissistema (AS). E o Mundo celestial, a original criação divina, absoluta e perfeita, de Sistema (S). AS e S integram, assim, as duas realidades da Obra divina. Enquanto, todavia, o primeiro, o AS, é provisório; o segundo, S, é que de fato detém o critério de Eternidade. Enquanto o S é absolutamente harmônico, o AS é desordenado e mórbido, e caminha, pela evolução, para o seu reordenamento. E assim, caracterizou Ubaldi o AS como um “tumor no seio do S”4.

cancerAS

O AS, o nosso cosmo, é um tumor, um verdadeiro câncer, dentro da Realidade Divina, o S.

Cada espírito que caiu passou a se comportar como uma célula tumoral e nosso imenso universo como uma descomunal neoplasia. Estabelece-se, assim, no AS, o espírito caído como um rebelde inato, sempre pronto à negação da ordem e à dominação do outro, movido por permanente anseio de explorar ao máximo os seus semelhantes. Sua vida tornou-se o exercício constante de agressões alheias e de sobreposição de sua própria ordem à ordem vigente. E cada um passou a viver da morte do outro, em uma abominável arena de aparentes ganhos, mas dor e derrotas para todos. Regime de existência que não foi o idealizado pelo Criador para os filhos do Seu amor. E nenhum ser, em nosso cosmo, escapa a esse selvagem modo de viver, a luta pela sobrevivência, em um constante prélio completamente distanciado dos imperativos divinos de ordem e concórdia. E assim nosso universo passou a se distinguir pela presença da luta de egos, imbuídos do permanente desejo de hegemonia. Hábitos e costumes que passaram a caracterizar a alma caída e seu impróprio sistema de vida.

Esse positivismo ególatra mórbido e desenfreado, típico do espírito caído, que atenta contra as ordenações do amor e da ordem, termina sempre por tudo destruir, inclusive seus próprios protagonistas. Os produtos do ego degenerado jamais criam vida e felicidade, atributos que somente o amor pode produzir. Eis por que o resultado final dessa malfadada aventura é a geração dos aparentemente intermináveis ciclos de conflitos, caos, dores, destruições e mortes – a “roda da vida”, os ciclos reencarnatórios de mortes e renascimentos aos quais estamos presos.

Todas essas atribuições, evidentes ao nosso derredor, são próprias de uma criação que não pode ser imputada à Sabedoria divina. E compreende-se facilmente que outra coisa não poderiam ter gerado aqueles que negaram a perfeição e o amor do Criador.

Enumeremos, para que se nos torne claro, as principais características desse distinto modo de vida, livremente escolhido pelos filhos da Queda, e de seu novo ambiente de manifestação, o cosmo físico:

1) Desmedido crescimento de egos;

2) Egocentrismos separatistas;

3) Desejo de expansão e domínio;

4) Produção de matéria instável e degradável;

5) Imposição de uma nova ordem contrária à ordem vigente;

6) Desordem;

7) Predomínio do indivíduo sobre o coletivo;

8) Conflito e luta de interesses;

9) Destruição e dor;

10) Degeneração e morte.

 

E surpreendemo-nos ao constatar que são esses exatamente os mesmos atributos que caracterizam a célula cancerosa. Assim, ante tal estupenda revelação, fácil se nos torna compreender a razão última da existência do câncer em nossa natureza degenerada: os tumores malignos nada mais são do que a realização em um plano menor daquilo que caracteriza a vida do espírito no universo derrocado. Vivemos, todos, desde os primórdios da evolução, como células egoicas e contraídas, desejosas de expandir-se e sempre dispostas a rebelar-se contra a ordem vigente – o que representa exatamente o comportamento e a natureza da célula cancerosa: um pequeno ego contraído e rebelado, que se arvora contra a ordem orgânica imposta pelo comando central do organismo que as alberga. Ávidas por domínio e imposição de suas ególatras vontades, terminam, da mesma forma que todo espírito caído, gerando nada mais que destruição, dor e morte. Tal extraordinária verossimilhança de comportamento e fim leva-nos a considerar o câncer nada mais que uma reverberação da psicologia da Queda, que subsiste em nosso inconsciente como um eco da primeira Revolta. Repete-se, em plano menor, a mesma motivação que originou nossa derrocada, que agora se volta contra nós mesmos. O câncer é então, em última análise, a precipitação das forças do AS em nosso próprio e provisório campo de manifestação: o corpo físico. E assim, a lesão, propriamente chamada de maligna, nada mais é que o reflexo da própria malignidade que trazemos nos arcanos do ser caído que todos somos. Basta recordarmo-nos de que o Cristo nos caracterizou como “raça de víboras” e “pecadores” (Mt 12:34).

O câncer, portanto, confirma-nos plenamente a Teoria da Queda e da Revolta do Espírito. Não seria possível a sua existência em uma criação absolutamente divina e perfeita. Se ele existe, é porque existiu a Queda – é a mais sincera conclusão que a lógica nos leva a adotar. Assim como afiançamos que a Queda se deu porque existem o mal, a dor, a destruição e a morte, os quais jamais poderão ser imputados ao nosso Pai, mas unicamente aos filhos revoltosos do Seu infinito Amor.

Podemos assim considerar o câncer, com Ubaldi, como a lesão típica da Queda do Espírito, aquela que repete no cerne da carne o que se deu no seio do Espírito puro: a Queda cósmica. A mesma revolta e o idêntico desejo de desmedido crescimento não deixam dúvida alguma da identidade de princípios e fins entre as duas fenomenologias. Como nos afirma o missionário do Cristo: “O motivo da Queda se repete em cada reencarnação, porque tudo é regido por um esquema de tipo único, que se repete em todos planos” (pág.252)5.

Corroborando esse raciocínio, observemos o que o inspirado missionário da Nova Era exarou na obra O Sistema4: “A liberdade é tal que contém a possibilidade do arbítrio e do abuso, significando poder quebrar a unidade orgânica do Sistema. Neste caso, portanto, o ser livre podia não querer mais mover-se harmonicamente no Todo, produzindo assim, um tumor canceroso no seio do próprio Sistema, pronto a alterar a estrutura sadia.

“Mas, se esse egocentrismo egoísta pode ter parecido como uma vantajosa expansão do eu, ele representava o princípio subversivo e antiorgânico, que reaparece no câncer, no organismo humano. Rompeu-se, dessa forma, a harmonia hierárquica do Sistema, na qual toda individuação existe, como acontece com as células no corpo humano, que vivem umas em função de outras, sem o que, desmorona a unidade orgânica.

“Pode-se compreender, dessa maneira, como deve ter ocorrido a Queda e o desastre que ela produziu, quando as células do organismo, ao invés de continuarem a viver disciplinadamente, em função da ordem geral, quiseram tornar-se independentes dela, e se puseram a funcionar anarquicamente, como ocorre com as células do câncer numa sociedade de células disciplinadas, num organismo sadio.

“Por isso, tanto no Antissistema como no câncer, tudo desmorona na dor, no mal e na morte. Acontece isto porque os seres menores, construídos para viver em função de outros, e todos em função do todo orgânico, ao colocarem-se na posição de primeiros, em lugar de últimos, e ao assumirem funções de direção que não conhecem, emborcam o Sistema, que assim aparece invertido, ao negativo, com as qualidades opostas. Acontece o que fatalmente aconteceria se um soldado se fizesse general ou um simples cidadão, chefe de Estado.” (Todos os destaques são nossos.)

E assim compreendemos exatamente por que encontramos disseminado em nossa natureza esse estigma da Queda, precipitando-se em todas as manifestações do espírito caído, seja no reino físico, biológico ou hominal, uma vez que todos, desde os minerais aos seres mais evoluídos deste universo, somos espíritos degenerados pela Queda de Origem. Eis exatamente por que todos padecemos de câncer e continuaremos fadados a expressá-lo em nossas carnes, por tempo ainda ignorado. Sofremos, como nos ensina a Doutrina Espírita, exatamente o que provocamos – a desordem, o mal, a destruição e a morte que disseminamos ao redor dos próprios passos, motivados pelos insanos desejos expansionistas de nossos egos, voltam-se contra nós mesmos, segundo uma Lei justa e sábia que devolve a cada um o móvel de seus anseios e atos. Somente estamos agregando que sofrer as agonias do câncer não é uma atribuição unicamente dos homens, que comumente expiam em uma encarnação o que provocaram em outra. A presença de tumores malignos nos animais e inclusive entre os vegetais patenteia-nos essa realidade. Ela é o eco da Primeira Revolta – uma anarquia no seio da ordem orgânica do Todo – a expressar-se em todos os reinos de manifestação do espírito caído, desde os físicos aos biológicos e aos planos espirituais ainda impuros.

Em qualquer canto do AS, encontraremos essa e outras reverberações da Revolta original, manifestas nos acidentes genéticos, nas malformações fetais, quer dos animais quer dos homens, nas construções anômalas e malignas, adulterando a ordem vigente, sempre prontas a devorar os semelhantes. E poderíamos identificá-las até mesmo nos fenômenos físicos e macrocósmicos e não apenas nos biológicos. Um buraco negro, por exemplo, ávido por sugar e destruir toda matéria que se lhe aproxime, poderia ser o correspondente do câncer biológico, no plano das manifestações siderais.

Isso explica-nos exatamente por que a mutagene (malformação genética) que leva ao câncer atua sempre com o nítido propósito de produzir uma exitosa massa tumoral hipertrófica, capaz de sobreviver nos mais adversos ambientes orgânicos e superar todos os empecilhos que o organismo saudável lhe impõe ao desenvolvimento. Ela age de fato conhecendo o objetivo a ser atingido e cria mecanismos sábios para alcançá-lo. Tal sabedoria e propósito não se poderia jamais esperar de uma adulteração nada mais que casual em nossos cromossomos. Defeitos acidentais seguramente ocasionariam a morte da célula pela desordem que lhe imprimiriam. E, no entanto, como a ciência humana já descobriu e já nos referimos, a desorganização do câncer é curiosamente bastante inteligente e encadeada em uma sequência de tal modo lógica o bastante para lhe conferir o êxito demonstrado.

Esse é o tipo de sabedoria que denominamos inteligência satânica. Embora aja em anteposição aos propósitos divinos do amor, ela sabe confeccionar unhas, garras, dentes, músculos e desenvolver astúcias propiciando aos seus seres devorar e destruir os semelhantes nos reinos inferiores da matéria. Ela conhece a química dos poderosos venenos de que são dotados os animais peçonhentos. Por meio dela é que todos se armam contra todos, na grande batalha de vida e morte que caracteriza o inferno do AS. Não caiamos no grave erro de imputar essa perversa sabedoria a Deus, pois não é ela compatível com o supremo Amor e a impecável Sabedoria de nosso Pai Eterno. É então essa mesma inteligência que vemos em ação na massa tumoral, arquitetando meios genéticos astuciosos para se instalar no organismo sadio e fazer das células uma máquina de produzir câncer. Essa é a natureza dos tumores malignos, que corresponde exatamente à natureza do universo derrocado em que vivemos, o AS.

E compreendamos muito bem, essa inteligência maligna, luciferina, tem sua origem na própria fenomenologia do AS, sendo mantida, qual imenso inconsciente coletivo, pela massa dos espíritos que caíram. Dela deriva a chamada sabedoria dos instintos, onde são arquivadas, em forma de memória imperecível, as experiências dos seres degradados na matéria. Portanto ela é nossa, pertence-nos, sendo inerente à nossa natureza, pois deriva de nossas próprias e mórbidas intenções. Ela traz-nos de volta, em cada encarnação, os automatismos que arquivamos nas lutas do AS. Por isso, ela está impregnada dos anseios típicos do ser caído: crescer, dominar, expandir, destruir e conquistar – os anelos da egolatria, que sempre nos moveu nas furnas avernais da matéria. São exatamente esses mesmos impulsos que entram em ação na formação da massa tumoral maligna. Por isso dizemos que o câncer faz parte de nossa natureza derrocada, está na substância de nosso ser rebelado e caído. É nosso legado da Revolta de origem.

Ubaldi explica-nos magistralmente que o AS, qual tumor patológico, foi envolvido e isolado pelo Sistema, a fim de que ele se desenvolvesse nos limites da Lei, colhendo o resultado de seus intentos em seu próprio campo de manifestação. Ao destruir a si mesmo, pela imposição de seus inerentes e degenerados fundamentos, ele terminará, entrementes, por reorientar-se rumo à impreterível ordem do Amor. Esse é o escopo final dessa maceração de egos imposta a todos. E é exatamente o mesmo que ocorre em nosso organismo, tomado por um câncer. Somos obrigados a albergá-lo e alimentá-lo, ainda que a contragosto, para que os impulsos destrutivos que criamos e alimentamos esgotem-se e sejamos propelidos a restabelecer em nós a superior ordem orgânica que nos caracteriza como filhos do Divino.

E assim atingimos a inevitável conclusão de que o câncer é nosso estigma de Queda. Suas causas fundamentais se acham enraizadas na Revolta do espírito, em ação desde priscas eras, acompanhando-nos na longa noite dos evos. Sob a insídia do ódio e o signo da crueldade, há bilhões de anos vivemos, todos, como células cancerígenas, ignorantes dos doces e suaves alvitres do amor ao semelhante. Por isso, criamos em nós as condições propícias ao desenvolvimento de nossos tumores. Estamos entendendo, portanto, que não somos seres inocentes, criados “simples e ignorantes”, atirados em um universo sem fins e sem ordem, apenas para evoluir. Não, em absoluto. Somos anjos caídos, transformados em seres demoníacos, que há muito vivem disseminando dor e destruição ao redor dos próprios passos, a despeito de continuarmos imersos na preponderante e sábia Lei divina do Amor.

E podemos conjecturar, além disso, que o câncer seja a lesão curativa da Queda. Por princípio de lei, toda causa se esgota nos efeitos, por isso o câncer está, na verdade, endireitando-nos os impulsos da Queda, que ainda reverberam em nós. Assim, ao precipitarmos na carne nossas lesões malignas, estamos exaurindo nossa própria malignidade, uma vez que os “malignos” somos nós mesmos. Ao drenar a revolta e degeneração egoica que nos caracteriza em nossos tecidos orgânicos, o câncer os consome, reduzindo-lhes o potencial destruidor de nós mesmos. Assim, ele termina por anular a desordem e rebeldia que alimentamos em nosso longo passado, devolvendo-nos à ordem superior. Ainda que para isso leve-nos ao sofrimento e à dor e, por vezes, à completa falência orgânica – fenômeno naturalmente provisório, uma vez que voltamos sempre à nova encarnação, mais renovados e dotados de maior potencial de equilíbrio.

O câncer então é o desafogo do impulso da Queda que até hoje reverbera na intimidade do espírito que caiu, fazendo precipitar em si mesmo exatamente o que ele provocou no Organismo divino de origem. E dessa forma o câncer nos cura da reverberação das forças da Queda, fazendo-nos consumir sua inércia original. Por isso podemos dizer ainda que o câncer existe para que se reconstrua em nós o Reino de Ordem e Amor instituído pelo nosso Pai e que nos foi ofertado por Sua bondade. Sem o câncer, essa Ordem e esse Amor não seriam refeitos em sua proposta original. Repetimos, desse modo, o mesmo que respondeu Jesus aos apóstolos que Lhe questionaram o que motivara a existência de um cego de nascença, se seria “ele ou seus pais que haviam pecado”; e o Mestre explicou que nenhum nem outro, mas isso se dera “para que se realizasse a obra de Deus” (Jo 9:1-3).

E continuamos também corroborando o que nos diz a Doutrina Espírita, pois o câncer continua sendo, de fato, o mais genuíno produto da maldade. No entanto, sabemos agora que não é simplesmente a maldade promovida pela ignorância humana, mas outra, muito mais expressiva, aquela que nos trouxe para a prisão da matéria e fez-nos optar pela prática desenfreada do egoísmo: a negação do Amor. Opção que elegemos ainda no plano do Espírito Puro e não como meros seres humanos. Consciências parcialmente despertas e recém-egressas do reino animal, como homens, não poderíamos tomar outra atitude senão persistir nas lições da selvageria. Não seria justo então que a Lei nos penalizasse por aquilo que tão bem aprendemos nos estágios da vida animal, por incontáveis anos. Se é do nosso interesse aceitar que Deus seja a justiça e a bondade infinitas, somos obrigados a situar essa escolha muito antes de ingressarmos no roteiro da evolução, que se torna assim um regime de correção de almas degradadas e não de um normal processo de educação de seres inocentes.

Ubaldi, na obra Problemas Atuais5, afirma-nos categoricamente: “O câncer é o resultado de uma desarmonia de ritmos vitais e exprime o estado patológico de todo o complexo humano” (pág.168). “Representa o homem, a célula anárquica” (pág.171). “Uma célula subversiva, anárquica e criminosa é a expressão da desordem e do mal no campo orgânico” (pág.167).

Sempre dispostos a impor-nos aos demais e subverter todo bem coletivo no próprio interesse, é natural que nosso ego patológico termine por destruir-nos, sendo a realização do câncer em nosso campo nada mais que a expressão daquilo que vivemos na imensa noite do tempo, desde que deixamos o Seio divino. Continua Ubaldi a nos afirmar: “O homem vive esmagando o próximo e impondo dor a todos, sem compreender que a dor do outro é também sua, pois estamos esmagando parte de nosso próprio organismo, que é o ser social que nos alberga” (pág.155)5 – natural assim que o câncer seja exatamente a realização em nós daquilo que elegemos como norma de vida e empreendemos ao longo de nossa caminhada evolutiva.

O câncer, portanto, reflete com clareza nosso desajuste social e nossa desarmonia com a Lei de Deus, o que jamais poderemos negar. Poderíamos considerar, como facilmente nos ocorre, que não praticamos mais crueldades, capazes de levar-nos aos imanes sofrimentos que o câncer nos impõe. Estamos parcialmente evangelizados, dizemos. Respeitamos, nos limites sociais, os direitos dos próximos. Realizamos obras sociais e acorremos a socorrer os mais carentes. E permanentemente estamos nos esforçando para aplacar os instintos animalizados que sobrevivem em nós, procurando alimentar-nos dos mais nobres anseios espirituais. Ainda assim não basta – o câncer continuará indesejavelmente perturbando-nos a intimidade orgânica e roubando-nos o bem-estar por algumas encarnações à frente – e não sabemos até quando.

Ora, se permanecemos geneticamente predispostos a desenvolver nossos cânceres, é exatamente porque eles ainda correspondem à nossa própria natureza. Como Jesus nos ensinou, é “pelos frutos que se conhece uma árvore”. O fruto do câncer então revela-nos a real natureza dos impulsores que permanecem movendo-nos o doentio ego. Ainda vivemos como células tumorais no grande organismo divino que nos alberga. Não atingimos o pleno e verdadeiro exercício do amor, que muito ainda nos custará. A despeito de todo o verniz de bondade que nos adorna a personalidade, prosseguimos como revoltosos e ególatras, em luta permanente contra os interesses da coletividade que nos acolhe e nos permite viver. A prova disso está em nossa relação com o organismo social a que pertencemos. Se prestarmos atenção, veremos como a célula humana e sua sociedade portam-se como verdadeiros inimigos. O homem estuda as leis do Estado procurando uma forma de subvertê-las a seu favor; o Estado confecciona leis, embasado no pressuposto de que o indivíduo buscará sempre lesá-lo. Enquanto aqueles que governam, com raras exceções, cuidam de solapar recursos públicos em benefício próprio. Assim vive o homem em comunidade, colocando sempre seu interesse individual acima do bem comum. Fato que se salienta no momento em que a sociedade cobra-nos seus impostos. Comumente, tudo fazemos para pagar o mínimo possível, ou, se pudéssemos, nada recolher ao bem público. Desse modo, não reconhecemos a coletividade como nosso próprio organismo e portamo-nos como ególatras células neoplásicas. A dor do outro, costuma ser do outro e não nossa. As necessidades do outro, ainda que nos sensibilizem, permanecem sendo um problema daqueles que as experimentam. As dificuldades de cada um se restringem ao campo individual e não coletivo. Natural então que a Lei divina devolva a todos exatamente o que todos semeiam nas conturbadas experiências humanas: as forças da desordem e da espoliação que impomos ao organismo social precipitam-se em nosso próprio campo de manifestação, na forma das nossas variadas e diversas neoplasias. É a única maneira de esgotar-se em nós a inércia da desordem com que pactuamos e aprendermos a praticar verdadeiramente a Lei do Amor.

Enquanto não nos convencermos de que não se pode viver senão em função do organismo social e não formos capazes de abdicar de todo o nosso conforto, de dispor de todo o produto de nosso trabalho e a doar nossas vidas em favor do organismo coletivo que nos alberga, estaremos distanciados dos imperativos divinos. Justo então que o câncer nos visite e nos cobre em forma de dor o nosso ainda vigente desajuste com a Lei Maior.

Torna-se agora facilmente compreensível que os fatores que a ciência médica considera etiológicos do câncer, como infecções por vírus e bactérias, irradiações nocivas e substâncias impróprias, como o cigarro e o asbesto, nada mais são que produtos excitantes da natureza cancerígena que todos portamos, como genuínos habitantes do AS.

E entenderemos que as considerações de Ubaldi suscitadas em defesa da “tese do saprófito, a espiroqueta de Schaudinn, na gênese do câncer” é mera tentativa de se identificar um agente físico responsável pela materialização na carne da lesão cancerígena que trazemos na alma. Não interpretemos de forma inadequada esse esforço do grande filósofo de Cristo, pois é ele mesmo quem nos afirma: “Não existe, não pode existir, é inútil procurar um micróbio no câncer” (pág.177)5.

Os mecanismos genéticos envolvidos na produção tumoral tornam-se facilmente compreensíveis, uma vez que o código genômico nada mais é que um veículo de expressão da inteligência do Espírito. É nossa consciência eterna quem promove as mutações gênicas necessárias à concretização de seus ínsitos propósitos. Propósitos que, na maioria das vezes, não são acessíveis ao nosso consciente superficial, e traduzem sempre finalidades que nossa razão não alcança compreender e por isso não se conforma. Logo, é exatamente a mesma inteligência que nos serve para produzir equilíbrios e o saudável sustento na carne que se investe de um pulso desnorteado para produzir nossos tumores, em resposta a necessidades que geramos pelas nossas constantes intensões e ações contrárias às Leis divinas. Deflagramos, então, nesses momentos, a inteligência satânica que permanece ativa em nós e se investe contra nós mesmos.

E reconhecemos agora que a homeopatia acertou ao considerar o câncer como produto de um campo vital doentiamente hipergênico, alimentado pelos impulsos de um ego igualmente hipertrofiado – a Tara Sicótica de Hahnemann. Aprendemos nos ensinos de Ubaldi que a Queda foi deflagrada por um excedente e inadequado estímulo de crescimento do “eu menor”, que desejou ser, como Deus, um “Eu maior” (o chamado mito de Lúcifer). Ou seja, ele realizou uma Sicose, na linguagem homeopática, a fonte primeira do desequilíbrio, vivida como uma pretensão do orgulho, e que passou a embalar doentiamente a substância constitutiva de seu ser. Esse impulso hipertrófico, ou Sicose fundamental, como o chamamos na homeopatia, além de haver desencadeado, por contrarreação, a contenção ou hipotrofia do eu (a Sífilis homeopática), reverbera-se agora periodicamente em nosso próprio campo de manifestação, como um eco da Primeira Revolta. Tornamo-nos, assim, embalados por um duplo impulso de expansão e contração, alternantes na linha do tempo, que nos acompanha em cada encarnação, produzindo-nos crescimentos e degenerações nos limites da chamada “normalidade orgânica”. Quando, no entanto, esses impulsos excedem esses limites, levam-nos a sofrer tanto a redução quanto a aceleração das funções celulares. É esse último então que irá produzir todas as nossas neoplasias, de qualquer natureza que sejam. E assim compreendemos que, nossas células, uma vez estimuladas por esse campo hiperplásico, imprimem em seus códigos genéticos as precisas mutações, necessárias ao cumprimento do novo determinismo que lhes é imposto.

Dentro dessa proposta, fácil se nos torna entender também que o campo hipertônico desencadeante da hiperplasia celular existe naturalmente em todo ser caído. Por isso, trazemos conosco, bem como todo ser vivo desse nosso universo, o câncer em potencial em nosso imo. E facilmente o ativaremos mediante nossos comuns desatinos, como um pequeno acréscimo de raiva e ressentimento, os quais comumente identificamos na gênese do câncer, bem como a exposição aos agentes físicos considerados oncogênicos. São excitantes do processo, uma vez que sua causa primeira repousa na morbidez do ego caído.

E compreenderemos ainda que a simples repressão de nossa agressividade não é o bastante para se evitar o desenvolvimento de nossos tumores. Podemos polir nossa personalidade com critérios éticos e morais elevados, exibindo comportamentos absolutamente aferidos por uma proposta evangélica. Mas se nossos sentimentos não acompanham tais conquistas do comportamento social, sofreremos de igual modo nossos tumores. O campo hipertônico permanece presente e será de igual modo ativado, inclusive com mais propensão nesse caso. Observa-se que o câncer, em nossa espécie, é muito mais comum nas pessoas reprimidas, que inibem suas pulsões de agressividade. Por isso, em homeopatia, diz-se que “o canceroso morre no cumprimento do seu dever”, caracterizando os indivíduos que se esmeram por não impor ao outro seu natural instinto de agressão. E paradoxalmente o câncer retratará, em nossa espécie, não exatamente a maldade praticada, mas aquela que foi sentida e pretendida. Um estudo estatístico facilmente poderia demonstrar que os tumores malignos são mais frequentes entre os indivíduos considerados pacíficos e amorosos. Como a ciência médica ainda não aprendeu que o fator moral é decisivo na gênese das doenças humanas, tais pesquisas não são até então empreendidas por aqueles que podem realizá-las.

Considerar que o câncer é mais comum em pessoas reprimidas, evidentemente, não nos autoriza a dar vazão aos nossos sentimentos de raiva, com o intuito de se evitá-lo. Devemos, sim, evangelizar nossos pensamentos e sentimentos e não apenas as ações que nos caracterizam na vida de relações. Lembremo-nos de que o Cristo nos alertou: “Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás; e, quem matar será réu de juízo. Eu, porém, vos digo que todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e quem disser a seu irmão: Raca, será réu diante do sinédrio; e quem lhe disser: Tolo, será réu do fogo do inferno” (Mt 5:22).

E agreguemos, antes que o tema desperte cruéis dúvidas no leitor, que a maldade livremente exercida evidentemente será também colhida, e de forma muito mais grave, em um futuro indeterminado nas muitas vidas do indivíduo. É da Lei que toda ação semeada seja igualmente ceifada. E o rebote da Lei faz-se de muitas outras maneiras que não através de um câncer propriamente, mas sempre trará de volta ao protagonista do mal um sofrimento equivalente ao mal praticado.

Alcançado, com Ubaldi, esse superior entendimento, penaliza-nos assistir ao ingente esforço da ciência humana na luta para domar o câncer, ainda fixada nada mais que em pressupostos essencialmente materialistas. Todos os seus intentos visam a impor controle a um impulso anteriormente deflagrado, que jamais poderá ser sofreado por meios exteriores. Agem no campo dos efeitos e não das reais causas. E nada investem no nosso necessário e essencial aprimoramento moral. Ora, se sua verdadeira origem está na substância do espírito, somente pelo próprio espírito o câncer poderá ser eliminado. A interferência nos seus mecanismos genéticos e bioquímicos somente poderá impor um momentâneo obstáculo ao desafogo da lesão espiritual, ou mesmo adiá-la para uma próxima encarnação, jamais, porém, poderá saná-la verdadeiramente. Compreendemos que, qual o fluxo de uma enxurrada, até que seu manancial se esgote de dentro para fora, não deixará de fluir, por mais que coloquemos barreiras à sua passagem.

E assim entendemos que o atual sonho de nossa moderna ciência médica de reprimir por completo os oncogenes é medida provisória que não impedirá o necessário desafogo da lesão espiritual. Não estamos dizendo que não se deve tomar esse caminho terapêutico. Ele poderá ser útil e dele nos valeremos quando o câncer nos visitar, por não dispormos ainda de outros recursos. Somente não podemos aceitar que sejam os únicos meios de alcançarmos nossa almejada cura.

Uma nova proposta terapêutica para o câncer anuncia-se ante os postulados que agora apreendemos. Já antevista pela Doutrina Espírita, ela consiste essencialmente na prática do verdadeiro amor, na inibição do egoísmo e na acomodação de nossos interesses na ordem divina. Apenas agora damos maior ênfase a essa proposta, pois não nos curaremos do câncer pelo simples esforço de inibição de nossa animalidade e a boa intenção de se exercer o amor ao semelhante. Precisaremos mais do que isso. Deveremos imolar e fazer morrer nosso doentio ego. E teremos de nos tornar verdadeiras células sociais, capazes de doar nossa vida e nosso trabalho inteiramente ao organismo coletivo que nos acolhe e nos permite o sagrado exercício da vida. Até que isso aconteça, é natural que soframos no próprio campo de manifestação a mesma multimilenar e ímpia revolta que transportamos nos arcanos do ser.

Que essas digressões não nos assustem, mas sirvam-nos de consolo. Que imenso refrigério para a alma é compreender que não fomos criados para ter doenças escabrosas como o câncer ou mesmo qualquer tipo de enfermidade, ainda que as mais simples. Deus não tinha esse plano para seus filhos, gerados sob o signo do mais puro Amor. Portanto, não imputemos o câncer a um deslize da Sabedoria divina ou ao resultado de uma Lei ordinária de evolução que impõe a todos a dor como uma pedagogia natural de educação e crescimento. Ou mesmo, mera consequência de expiações e provas, em um roteiro normal de formação de espíritos, “criados simples e ignorantes”. Se tumores existem, é porque nos tornamos seres degenerados, imbuídos da mais indigna egolatria e distanciados, por escolha própria, da Casa Paterna. Portanto, apenas os “filhos pródigos”, as “ovelhas desgarradas do Aprisco divino”, como nos caracterizou o Cristo, podem sofrer as injunções da matéria e seus terríveis danos. Um dia, no entanto, reencontraremos a “Luz Eterna, a Alegria sem fim, o Amor infinito” e então, libertos da carne, adornados com as “vestes nupciais”, jamais conheceremos a dor, a doença ou a morte.

E repitamos para que se nos torne claro: o câncer é um esforço da natureza divina para nos curar dos estigmas da Queda espiritual. É nosso remédio amargo. Ao se realizar, ele esgota os impulsos mórbidos gerados pela Revolta de origem que nos retirou da Morada Paterna. E consequentemente purifica nossas vestes para que retornemos completamente limpos à Casa do Pai. Como nos afirma Ubaldi, o câncer “é um movimento curador, que faz parte de nossos profundos equilíbrios (pág.161)5. E completa: “ Todo estado desarmônico ecoa e se repercute de plano em plano, até que fique exaurido seu impulso e esteja tudo pago por nós mesmos (pág.155)5.

Além disso, reconhecemos que o câncer tem também uma função educativa para o espírito eterno. Função esta que nem sempre compreendemos quando ainda presentes na carne e somente absorveremos em plenitude ao partir para a erraticidade. Uma vez libertos das pesadas amarras físicas, nossa consciência amplifica-se, facultando-nos observar melhor o produto final de nossas dores na escola da carne, permitindo-nos absorver integralmente as suas lições. Ao devolver-nos os produtos mórbidos da egolatria, convencer-nos-emos, enfim, do grave erro de se empreendê-la, ainda que no silêncio dos sentimentos e no recolhimento das ações não praticadas.

Vejamos, mais uma vez, o que nos diz Ubaldi em O Sistema: “Nossa sociedade humana é um corpo onde cada célula é inimiga da outra, com prejuízo para todas. Essa sociedade não se mantém com o princípio da colaboração celular que vigora no corpo humano em estado de saúde, mas com o princípio anárquico que vigora no câncer. Por isso, os nossos males são até poucos, em relação ao que merecemos, e teremos de sofrer tanto até aprendermos. Para que serviria a dor, se não fosse útil para ensinar? Trata-se de leis férreas, das quais não podemos escapar. Rebelar-se ainda mais, piora a situação. Prova-nos isso a lógica de todo o processo. A estupidez humana é grande, mas é produzida pela ignorância, resultado merecido da Rebelião e da Queda. E nada melhor para despertar a inteligência do que o sofrimento merecido, como efeito daquela ignorância também merecida. E como se pode obrigar um ser, que deve ficar livre, a compreender em seu próprio benefício; como se pode obrigá-lo a recompor-se, livremente, no caminho certo, senão (...) fazendo-lhe compreender seu erro e as suas tristes consequências? Para o homem atual, pois, só existe um remédio que possa curá-lo: sofrer. Ele é livre de sofrer quanto queira. Mas esse mal é um remédio salutar. (...) O homem tem de compreender que é errado o sentido de crescimento como “eu” isolado. Este seria um crescimento invertido, o da revolta e do Antissistema, que só pode trazer separação e destruição. (...) Agindo assim o ser pensando ganhar, perde. Tudo está construído de modo que o crescimento não pode fazer-se isoladamente. O egoísmo pode conseguir, como débito, resultados imediatos à mão, e por isso os míopes creem neles. (...) O egoísmo é um impulso isolado do Antissistema, com raio de ação limitado, além do qual se torna antivital. O homem existe e só pode existir dentro da Lei, e se quiser existir, mesmo se rebelde, só tem o caminho da evolução para regressar ao Sistema. O ser pode continuar rebelando-se quanto queira. Com isso só conseguirá o próprio prejuízo. A revolta contra Deus jamais poderá ser vitoriosa, mas só produzirá erros, que depois é preciso pagar” (pág. 194, 195)4.

Por tudo isso, se queremos nos libertar das terríveis peias do câncer, “é necessário começar curando a alma” (pág.181)5, aplacando-nos o doentio personalismo, sufocando-nos o ego e imprimindo-nos o máximo amor a Deus e aos semelhantes de que somos capazes. É imprescindível a mais “absoluta adesão à Lei e adesão à Ordem divina que impera em toda a Criação universal (pág.172)5. Enfim, “é indispensável – como nos diz Emmanuel – romper com as alianças da Queda e assinar o pacto da Redenção”(Caminho, Verdade e Vida – lição 176).

Belo Horizonte, primavera de 2012

Gilson Freire

Nota: os dois casos relatados são reais e foram acompanhados intensamente pelo autor deste texto. Agradeço a Rosane Fiuza, Moacir Fonseca e Wanderley de Souza pelas correções e sugestões dadas ao texto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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    2. Ubaldi P. Deus e Universo. 3ª ed. Campos dos Goytacazes: FUNDÁPU; 1987.
    3. Ubaldi P. O Sistema. 2ª ed. Campos dos Goytacazes: FUNDÁPU; 1984.
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    6. Site consultado: http://www.nature.com/nature/journal/v490/n7418/full/nature11412.html, em 8 de setembro de 2012.
    7. Site consultado: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/, em 15 de setembro de 2012.
    8. Palestra “Câncer: Uma teoria sobre a etiopatogenia espiritual”, proferida pelo Dr. Décio Iandoli Jr., apresentada no VI Congresso de Saúde e Espiritismo de Minas Gerais, no dia 31 de agosto de 2012.
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    10. Hahnemann, S. Organon da Medicina. Buenos Aires: Editora Albatros; 1978.
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    14. Elizalde, M. Homeopatia Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Luz Menescal; 2004.
    15. Elizalde, M. Clases de Homeopatiaapostilas de aulas gravadas. Buenos Aires; 1980.
    16. Kübler-Ross, E. Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiras, religiosas e as seus próprios parentes. Trad. Menezes, P. 4ª. Ed. São Paulo, Martins Fontes 2005.

 

UMA PALAVRA PARA QUEM SOFRE DE CÂNCER

Antes de abandonarmos esse tema, é de bom alvitre que aqui deixemos algumas palavras para aquele que na atualidade enfrenta o grande desafio do câncer:

A vida lhe convocou, irmão, para vivenciar delicado processo de cura de sua alma. Acredite, você está sob cuidados divinos, que visam a purificar-lhe o espírito, preparando-o para a emersão em planos mais elevados da vida. Não se veja, portanto, abandonado pela providência de Deus e entregue às potências do acaso. Em absoluto, Nosso Pai jamais nos deixou, e trabalha permanentemente para soerguer-nos dos abismos infecundos da matéria, onde nos atiramos por ingerência própria.

Não deixe, amigo, de seguir o que lhe determina a medicina oficial. Ela pode representar também uma ajuda de Deus, embora ainda disponha de recursos um tanto quanto agressivos para nossa delicada fisiologia celular. Ela nos transforma em um campo de batalhas e nos cobra o pesado atributo do bem-estar físico para nos devolver à normalidade da vida, é bem verdade. Mas não temos outro caminho no momento.

E que seja bem dito: suas chances de sobrevivência ao processo são muito grandes, pois a ciência médica, a despeito de apoiar-se em bases meramente materialistas, trabalha na atualidade com muitos e novos recursos de supressão dos tumores.

Além disso, você pode, e deve, valer-se de outros recursos disponíveis nas chamadas medicinas alternativas, como a homeopatia e a acupuntura, por exemplo, bem como tratamentos ditos espirituais. Mas não deixe seu acompanhamento oncológico oficial. Não se trate exclusivamente com esses meios. A despeito de serem eficazes, infelizmente não estamos ainda preparados e sequer seguros de guardar méritos para alcançar a cura pelos métodos mais suaves das terapias complementares.

Mas não espere somente pelo que pode lhe ofertar a ciência médica ou mesmo qualquer outro tipo de terapêutica, até mesmo um tratamento espiritual. Recursos externos não bastam para nos devolver a saúde verdadeira. São, todos, meros paliativos. Por isso, recomendamos-lhe a prática da autocura como indispensável quesito para sua recuperação. Esta, sim, é que deveria, sobretudo, interessar-lhe. É verdade que pouco sabemos sobre ela e não detemos ainda a capacidade de ativar as poderosas forças curativas que integram o divino patrimônio de nosso ser. Sabemos apenas que as potências orgânicas que nos levaram à doença detêm igual capacidade de nos curar. Ou seja, da mesma forma como adoecemos, podemos também nos restabelecer. Mas não aprendemos como fazer isso. Sejamos realistas! Não temos ainda a fé que pode mover montanhas.

Isso, porém, não é motivo para deixar de tentar. Em absoluto. A dificuldade não é uma impossibilidade, e pode ser superada. E com certeza você desenvolverá recursos que muito o auxiliarão na dura batalha contra o seu tumor. Sigamos passo a passo, um breve roteiro ativador de autocura:

O primeiro a fazer é afastar do coração o peso da revolta. Convença-se de que não somos seres inocentes entregues a uma natureza agressiva que não conhece a piedade. Não somos vítimas da vida. Portanto, receba com bom ânimo a doença. Exercite o heroísmo cristão, entregando seu corpo ao holocausto em prol da real saúde, a saúde espiritual. Não lute desesperadamente contra a ideia de estar com o câncer. Aceite. Concorde. Acolha. Disponha-se com coragem ao processo. Deponha sua vida diante de Deus, para que se faça a vontade suprema do Criador e não a sua. Não Lhe peça um milagre. Não Lhe implore pela cura. Suplique-Lhe, sim, forças para enfrentar o que a Lei superior determina para seu destino. Nossa existência não nos pertence, lembre-se, é um presente de Deus e Deus detém sobre nós o direito sobre ela.

Depois, compreenda que a doença em si é o nosso melhor remédio. Precisamos dela e devemos colher suas lições com boa vontade. Ela objetiva curar nosso extremado individualismo e ensinar-nos que fomos criados para doar amor aos demais, jamais exigir. Ao expor-nos a imensa fragilidade da carne, ela educa-nos, sugerindo-nos atirar ao lixo o velho hábito do orgulho, pois nada podemos sem as forças divinas que nos sustentam a todo o instante.

Apoie-se nos demais. Assim como precisamos do amparo divino, nada nos será possível sem a ajuda do outro. Por isso, tenha a coragem de compartilhar o seu drama com todos. Reconheça humildemente seus limites e suas imensas necessidades e aproxime-se o máximo que puder de seus semelhantes. Aceite com humildade toda ajuda que lhe vier.

Se os cabelos se vão, tenha a coragem e a humildade de demonstrar aos demais o seu estado, ainda que lamentável. Lembre-se, nosso corpo é construção provisória e nada justifica nosso intenso sofrimento por vê-lo, por vezes, deformado. É uma veste que logo trocaremos por outra melhor e mais bela.

Cultive a paciência e a resignação como remédios preciosos. Aprenda a sorrir, ainda que em meio às dores lancinantes do corpo. Tome o mínimo de analgésicos possível e procure sentir a dor de uma forma diferente. Aceite-a. Acomode-a na alma. Não lute contra ela, mas tente experimentá-la em intensidade, desarmando-se da vã tentativa de afastá-la a qualquer custo. Seu nível de tolerância aumentará e então você surpreender-se-á ao ver que a terrível constrição da dor se aplaca, acomodando-se em sua máxima capacidade de sofrê-la.

É bem provável que identifique no coração a indesejável presença de rancores e raivas contra seus irmãos de jornada. É hora então de meditar profundamente nessa questão. Comece convencendo-se de que não somos vítimas do descaso ou da afronta de ninguém. Desfaça o equívoco de julgar que a desonra lhe é imerecida. Se ela nos chega e toca-nos tão profundamente, patenteia-nos a enormidade do orgulho e a imperiosa necessidade de se aprender a humildade. Lembre-se, o desafeto do outro é sempre fruto de nossa incapacidade de amar, tenha a certeza disso. Não amamos como convém. Muitas vezes nossa frustração afetiva nada mais é que o espelho da enorme e egoica carência de amor que portamos na alma. Observe como muitas vezes a dor que acusamos o outro de nos provocar, chama-se, na verdade, ciúme, inveja, orgulho ferido ou frustração da vontade. E assim veremos como a doença nos convoca nada mais que a realinhar as emoções e a cicatrizar a alma, ferida pelos próprios sentimentos, não pela agressão alheia.

Se lhe for possível, busque o diálogo com a pessoa de seu desafeto. Ouça seu ponto de vista e procure acatar suas justificativas. Esforce-se por compreender, antes que exigir compreensão. E, sobretudo, perdoe-lhe os deslizes. Lembre-se, o rancor é o fel amargo que alimenta nossas células cancerosas. É verdadeiramente a “bile negra” tão bem caracterizada pelos antigos gregos e que nos envenena tanto o corpo quanto a alma. Ponha-se no lugar do agressor e, acredite, todos podemos errar ou deixarmos trair pelo orgulho. Ninguém está isento, pois todos portamos personalidades ainda fracas, sujeitas a se deixar levar pelas muitas e tão comuns armadilhas do ego inferior.

Se, ao vasculhar os arquivos de memória, não se recorda de qualquer raiva ou mágoa alimentada contra quem quer que seja, ainda assim, essa terrível mazela pode estar aflorando de um passado distante, inacessível aos seus atuais registros mnemônicos. Pense nas pessoas com quem você tem dificuldade de aproximar-se ou parecem-lhe pessoas difíceis de se amar – elas podem representar seus antigos desafetos, exigindo-lhe corrigendas afetivas.

Se a doença parece-lhe uma imensa maldade da vida, saiba ainda que não somos seres inocentes expostos às crueldades alheias. Somos, sim, vítimas do nosso próprio mal e com certeza trazemos do pretérito farto manancial de perversidades praticadas contra os demais. Portanto, nossos algozes de hoje com certeza são nossas vítimas de ontem. Nada mais que isso, pois a vida sempre nos devolve o mesmo mal que praticamos. Portanto, o perdão é o caminho indispensável para refazer-nos equilíbrios rompidos e interromper o jogo de ações e reações a que nos sujeitamos por Lei.

Se seu caso é muito grave, você agora enfrenta recidivas, e já está exausto de tantas e frustras tentativas de se impedir a remissão do tumor. Metástases se anunciam em outros órgãos. Os médicos, reticentes, evadem-se de adotar novas condutas. Então a hora é bastante séria. Logo, o primeiro a fazer é acatar com bom ânimo a possibilidade de que tenha de deixar o palco da vida carnal em breve intervalo.

Não negue, mas aceite a notícia como uma realidade. Acolha-a como um fato inexorável. Afaste de sua mente o pensamento que normalmente nos ocorre nessa ocasião: “não é possível, deve haver um engano”, ou: “não acredito que isso vá acontecer comigo” – não, isso pode e vai acontecer com você, sim. Você não é diferente dos outros seres humanos.

Uma vez que a possibilidade da morte se acomodou em sua alma, é hora de combater com todas as suas forças a raiva, a qual comumente toma o seu lugar após a constatação da realidade da morte. Por que eu? – você se pergunta. Infelizmente, mais uma vez, devemos enfrentar a realidade: a morte existe para todos, e você não é diferente de ninguém. Vencida a raiva, virá a tentativa de fazer um pacto com Deus – é a fase da negociação, e você se ilude de que poderá superar o seu mal por meio de promessas e barganhas com a Divindade. Não tardará e você perceberá que isso tampouco adiantará. Será então a vez de colher a última fase do processo: a depressão. A presença de intolerável angústia e insuprível desalento demonstra-lhe que você já tem como definitivo que seu processo é irreversível, mas não está preparado para aceitar o inexorável fim. Será preciso vencer essa depressão final para que você realize o grande transe do túmulo com tranquilidade e segurança.

Para isso você deve entregar-se às forças superiores da vida, pois nada poderá fazer para mudar a sua sorte. É hora de confiar sua alma a Deus. Corra então a afastar o pesar e o receio de seu coração. Procure acolher com entusiasmo o inexorável anúncio de um fim próximo. Acomode com tranquilidade essa ideia no coração. Não é o que de mais grave pode nos acometer em vida. Em absoluto. Se a morte se anuncia, ela lhe pede que você se prepare convenientemente para viver uma grande existência, a qual guarda possibilidades de ser muito melhor do que a nossa vida atual. Imagine que você está para fazer uma longa viagem para um país muito distante. Mas pense nisso como vantagem e não como um dano. É a chance de conhecer novas paisagens do universo, entrar em comunhão com outras pessoas, quiçá antigas amizades, e rever parentes queridos que já partiram. E aceite o processo como uma libertação do imenso drama que você vem atravessando. O fim das dores. A entrega do corpo já carcomido pelo tumor. Nada mais que isso.

Não alimente o receio do vazio, o temor do desconhecido. Guardamos o grande equívoco de julgar que a morte nos é a mais importante ameaça à felicidade na Terra. Representa, de fato, nosso maior pavor, por projetar-nos em zona de incertezas. É o medo do nada, da não-existência, do vazio. Não. Não acredite nisso. A morte não é o fim. Em absoluto. Não pode ser assim, essa não é a lógica do universo. Temos muitas evidências disso. Nada se cria como nada se destrói em nosso cosmo, já afirmava o sábio Lavoisier. Ora, a consciência é uma força poderosa que também não pode ser desfeita. É o produto mais precioso do universo. Ela preexiste ao nosso nascimento na carne, pois é o resultado de nossa longa evolução pelos caminhos do tempo. Como ela não nasce com o nosso ingresso na carne, também não se extingue com desfazimento do corpo físico. Muitos vieram do Além-túmulo para nos dar essa boa notícia: sobreviveremos ao desenlace físico e encontrar-nos-emos em uma dimensão de muito mais ricas possibilidades do que nossa restrita vida na matéria densa.

Creia na imensa força da prece. Converse com Deus, no imo de seu ser, e entregue-Lhe sua alma e sua vida. Como dissemos, não negocie com o Criador e sequer barganhe vantagens com Ele, ofertando-Lhe promessas vãs em troca da sobrevivência. Agradeça-Lhe, antes, não só por existir, mas também pela oportunidade de vivenciar a dor redentora. Peça-lhe a cura do espírito através da educação de hábitos e da reforma de sentimentos e costumes. Não rogue desesperadamente pela recomposição do corpo, pois a doença tem sua necessidade que será cumprida. O corpo nada representa, ante os propósitos divinos. É construção anômala que mais cedo ou mais tarde teremos mesmo de abandonar.

Não se sinta um fracassado ante a falência orgânica. A doença está cumprindo importante papel, e irá lhe devolver um equilíbrio, um bem-estar e uma saúde muito maiores do que aqueles de que desfrutou em vida. Acredite nisso. Não se permita cair no pesar desagregante de forças vitais, que somente lhe agravarão o estado físico. Não alimente desnecessárias angústias. Não se sobrecarregue com o peso do pessimismo. A enfermidade, ainda que fulminante, se é vista como um fracasso biológico pela curta visão materialista, não é uma derrota do espírito. É sempre uma vitória da vida para a alma imortal, que se vê paulatinamente livre de seu fardo de maldades.

Mas se a tempestade tumoral passar, então será a hora de mudar radicalmente a sua vida. Não seja o mesmo antes e depois do câncer. Aproveite, pois não há estímulo maior para reformularmos nosso comportamento e alinharmos nossos propósitos com a Lei de Deus do que a ameaça da morte por um câncer. Aprenda a valorizar o que realmente convém: aspirar somente pelo que é imponderável, pois unicamente os valores imponderáveis sobrevivem ao túmulo. Pratique o desapego dos irrisórios bens físicos. Viva da maneira mais simples que puder. Supere necessidades supérfluas. Lute contra o orgulho. Perdoe, “não sete vezes, mas setenta vezes sete”, as injúrias recebidas na jornada da vida. E não fuja dos desafetos, ao contrário, aproxime-se-lhes o máximo que possa. Não repita o que comumente ouvimos: “eu o perdoo, mas não quero vê-lo nunca mais”. Dedique-se aos estudos do espírito, e procure conhecer melhor a si mesmo. Acredite, a doença evoca-o, sobretudo, a desvendar seus segredos mais íntimos, até onde for capaz, para que alcance o verdadeiro e desejado equilíbrio.

Faça morrer o ego inferior, deixando de alimentar seus melindres, como o orgulho, a vaidade, a inveja, o ciúme, a cobiça, a raiva com todo o seu rol de males. Alimente o psiquismo com leituras nobres e o coração com sentimentos elevados. Cultive o belo, o bom, o verdadeiro e o justo. Aproxime-se o máximo possível da natureza e procure desfrutar das alegrias genuínas e saudáveis que a vida lhe oferta.

Valorize sua existência como convém. Fuja dos vícios. Cuide do seu corpo como o precioso templo de sua alma. Faça atividades físicas. Alimente-se moderadamente. Repouse e cultive o lazer quando puder. Tome o mínimo de medicamentos possível. Viva a vida da forma mais singela possível, fugindo do supérfluo. A felicidade está nas coisas mais simples da existência e não nos grandes feitos e soberbas conquistas. Não queira ser herói, ainda que de si mesmo, e não alimente excessivas e perniciosas vaidades. Fuja do exibicionismo e não queira provar nada para ninguém.

Faça de sua vida uma luta permanente contra a inferioridade moral que ainda nos domina a todos. Lembre-se, devemos ter apenas um inimigo na vida, o qual temos o dever de combater com todas as forças da alma: nossos próprios impulsos inferiores.

Dedique-se a tarefas de cunho social, servindo aos semelhantes na altura de suas possibilidades, doando de si mesmo em prol dos necessitados. Faça contatos. Conviva. Distribua gentilezas ao redor dos passos. Atenda, quanto puder, às solicitações alheias. Recorde-se de que o egoísmo separatista é um dos deflagradores do processo cancerígeno, merecendo, portanto, todo o nosso empenho em saná-lo. Para isso você deve se tornar uma célula social, participativa, zeladora e colaboradora do bem coletivo. Portanto, saia de seu individualismo. Trabalhe pela comunidade, dedique-se a serviços sociais, tarefas socorristas ou qualquer atividade benéfica para seu semelhante. Lembre-se, os hospitais estão cheios de doentes cancerosos, muitos deles crianças, esperando por uma palavra de consolo e um apoio amigo. E o testemunho daquele que já passou pelo processo é um precioso conforto.

Se você é um aposentado e não precisa mais trabalhar para ganhar o sustento da vida, com mais razão deve tornar útil à sociedade as suas horas vazias. Enriqueça-as com obras sociais. Doe amor e serviços ao próximo e receberá em troca tudo o que precisa para a reconquista da saúde verdadeira.

Combata com todas as forças de sua alma o egoísmo e o orgulho. Esses são os venenos que alimentam nosso câncer, creia. Talvez seja essa a tarefa mais difícil que a vida lhe pede, mas empregando todas as suas forças nesse desiderato, você sairá vitorioso. As energias do altruísmo são as mais benéficas que a natureza nos disponibiliza, embora não as percebamos de imediato agindo na intimidade.

Pratique a paciência e a tolerância. Iniba a raiva na raiz dos sentimentos, para que não precise depois colocar-lhe os necessários freios sociais. Eduque o pensamento, coibindo fantasias perniciosas. Alinhe os desejos na fileira do bem verdadeiro. Torne saborosos os seus sentimentos com o indispensável tempero do amor.

Não se esqueça do convívio familiar. Compartilhe sua vida. Divida-a com parentes e amigos, pois nossa felicidade é essencialmente proporcional à felicidade que distribuímos ao redor dos passos. Fuja do pessimismo, da tensão e das cobranças excessivas. Faça o que estiver ao seu alcance, da melhor maneira que possa. Reconheça os limites de suas forças e não queira realizar o impossível. Doe o que puder, mas não queria dar o que não tem.

E não lhe digo: desfrute ao máximo os prazeres da vida. Não. Há deleites impróprios que comprometem nossa saúde e expõem-nos a grandes quedas morais. E, sobretudo, se comprometem a alegria do outro, unicamente nos trarão malefícios. Lembre-se, a vida é sábia e registra com exatidão não só nossos atos, mas também nossos pensamentos e sentimentos, por mais ocultos nos pareçam.

Faça seu acompanhamento médico como convém e como lhe foi proposto. Sabemos que cada sessão de exames laboratoriais reacenderá em sua alma o temor de uma recaída. Esse fantasma acompanhar-lhe-á os passos por um bom tempo. Cinco anos, de modo geral, é o prazo médio que a medicina determina para conferir-lhe a alta definitiva. Aproveite esse tempo para exercitar esse pequeno rol de necessidades terapêuticas da alma. Embora não se possa observar diretamente a atuação desses salutares impulsores, você sentirá seus efeitos imediatos na consciência profunda. A satisfação do dever moral cumprido é o mais precioso medicamento de que necessitamos, capaz de nos manter no máximo equilíbrio possível. É assim que iremos velar pela ameaça do câncer que continuará espreitando-nos a intimidade, até que desista de novo intento de investir-se contra a nossa felicidade na Terra.

Enfim, esteja certo de que, embora você tenha se livrado das ameaças iminentes de um câncer, sua alma continua doente. Os medicamentos que a bondade da vida lhe ofertou são de efeitos provisórios e superficiais. Não podem alcançar a substância de seu espírito, onde repousa a verdadeira origem de seu tumor. Apresse-se a acalmar seus impulsores, os quais facilmente poderão ser outra vez deflagrados. Tenha sempre em mente as palavras que Jesus proferiu ao paralítico de Betesda que acabara de curar: “Não voltes a pecar para que não lhe suceda um mal maior” (Jo 5:14).

Que o Senhor acompanhe seus passos!

De coração,

Gilson Freire

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