Saúde e Espiritualidade II - Apresentação
PREFÁCIO
Ensaios para Uma Nova Medicina
O PARECER FAVORÁVEL À criação da disciplina optativa “Tópicos em Saúde e Espiritualidade” na Faculdade de Medicina da UFMG, redigido pelo Dr. Paulo Roberto Ferreira Henriques, eminente professor do Departamento de Cirurgia dessa escola, publicado em março de 2006, deu início a um processo de fomentação da espiritualidade nos meios universitários mineiros que não mais se deteve. A despeito das dificuldades iniciais, como a exiguidade de material de pesquisas e de obras publicadas e a incompreensão daqueles que ainda se fixam em preconceitos, vários professores universitários, pesquisadores e estudiosos do assunto, deste e de outros estados, aos quais se juntaram ativos e entusiastas acadêmicos, postaram-se ao trabalho, a fim de enriquecer a disciplina e favorecer o seu rápido desenvolvimento. O resultado desse esforço conjunto é apresentado nesta obra, que complementa o seu primeiro volume com novos e palpitantes temas.
No prefácio do primeiro livro, o leitor poderá apreciar o fac-símile do referido parecer e inteirar-se dos detalhes da história desta obra, que remonta ao ano de 2006, e que aqui não se faz necessário repetir. Apenas vale ressaltar que esta obra atende a uma tendência moderna e mundial de se introduzir a espiritualidade nas universidades, induzindo-as a estudar a sua decisiva influência na saúde humana.
Embora médicos aficionados ainda à paradigma materialista da vida vejam com reservas esses arroubos espiritualistas que já arejam as paisagens conceituais da medicina moderna, é preciso considerar que os tempos evoluem e as pessoas também, exigindo que a ciência se aventure por campos ainda inexplorados. Como nos afirma Nietzsche, a ciência não caminharia sem o arrojo de pensadores que, considerados místicos ou tresloucados, aventuram-se nas ignotas regiões do desconhecido.
Aqueles que conseguem divisar além da realidade concreta, já perceberam que o racionalismo cartesiano e o cientificismo materialista acham-se desgastados, não lhes sendo mais possível explicar convincentemente a complexidade fenomenológica que nos envolve, seja física ou biológica. A medicina a que deram origem, embora tenha desenvolvido ao máximo a possibilidade de interferir nas interações bioquímicas da vida, não pôde até então impedir o adoecimento do homem e estabelecer a saúde perfeita na Terra. Em meio ao imenso progresso no campo propedêutico e farmacológico, é nítida a desumanização imposta à atuação do médico, o qual, impregnado de tecnicismos e especialismos e fixado na parte não todo, perdeu o contato com a alma do enfermo, esvaindo-se do salutar humanismo tão necessário ao seu ato terapêutico.
Nos nossos dias, a mecânica quântica vem demonstrando ao homem que a matéria não é o fundamento da existência e que uma realidade subjacente e imponderável sustenta a dimensão física. Ora, se esse domínio existe e origina a própria matéria, obrigatoriamente está presente nos seres vivos, os quais, como conjuntos ordenados de átomos, são também produzidos por campos sutis. Assim, compreender essa imponderabilidade como a mesma dimensão espiritual já apregoada pelas religiões do passado e concebida pelas antigas filosofias, sob a denominação global de espiritualidade, torna-se uma inquestionável evidência para todo pesquisador sincero.
A era do mecanicismo médico, portanto, parece atingir seus últimos estertores. Os seres vivos, assim como o átomo e o próprio Universo, não podem mais ser considerados encontros casuais de partículas, porém eventos abstratos, dotados de uma ordem proposital, coerência e sensibilidade. Desse modo, tudo nos faz crer que as biomoléculas sejam unidades inteligentemente organizadas por uma sabedoria superior, pertinente ao domínio espiritual, único capaz de gerar efeitos também inteligentes. Logo, tampouco as biomoléculas poderiam adoecer por si mesmas, requerendo como única possibilidade de correção a intervenção farmacológica externa. É inegável que a ação química dirigida produz bloqueios ou estímulos nas cadeias enzimáticas, resultando em silêncio sintomatológico e supressão de sinais mórbidos, mas isso não pressupõe o estabelecimento de uma cura real. A necessidade do uso constante dos fármacos convencionais demonstra que não se atingiu a raiz do desequilíbrio que nos leva a adoecer.
Por isso, a medicina moderna, embora abastada de técnicas e arsenais químicos surpreendentes, não conseguiu ainda curar o homem, senão impor momentâneo silêncio à linguagem de seu adoecimento. De modo geral, ela não capacitou o médico a curar a si mesmo. A elucidação dos mecanismos fisiopatológicos no plano molecular, apresentado como o resultado último dos distúrbios de um doente, tampouco foi suficiente para verdadeiramente sanar os males humanos. Torna-se a cada dia mais explícito que a arte da cura não consiste simplesmente na consulta a mementos farmacêuticos e prospectos laboratoriais, para se prescrever os medicamentos mais indicados para cada enfermidade humana. Sequer a interferência nas cadeias genômicas será determinante para se produzir na Terra a saúde perfeita, como se pretende hoje em dia, pois a ativação ou desativação dos genes está subordinada também a ação de uma preponderante inteligência mais profunda. Ainda que tais ações sejam exitosas em silenciar momentaneamente a linguagem mórbida de um órgão, não poderão impedir que o indivíduo translade seu adoecimento para outros sítios orgânicos ou termine por recolhê-lo em sua própria mente.
A implementação da real saúde somente se conquista com a sensibilização do próprio médico como instrumento terapêutico, o seu envolvimento integral com o campo subjetivo do enfermo e sua capacidade de induzir-lhe novos equilíbrios. A cada dia, isso se torna mais evidente, por exemplo, nas pesquisas que conferem a toda substância ingerida pelo doente cerca de 80% de efeito placebo. Hipócrates, o famoso médico grego, atento a esse fato, no século IV a.C., deixou-nos o alerta de que “alguns doentes, sentindo que seu mal é muito grave e acreditando no humanismo do médico, recuperam a saúde”.
Logo, faz-se necessário e urgente que a medicina evolua sua técnica terapêutica para uma legítima arte da cura, a fim de se alcançar o lídimo desiderato médico: favorecer a estabilidade orgânica e mental como indutora de equilíbrio próprio ao homem que sofre – a saúde real. Esse é um longo caminho que o profissional de saúde dos nossos dias ainda deverá palmilhar, pois pressupõe a conquista de habilidades que as faculdades de medicina até então não puderam ensinar-lhe e que somente o conhecimento e o manejo do homem em sua integralidade, que apenas a espiritualidade confere, poderão facultar-lhe. Faz-se necessário ao médico que realmente almeje curar, aprender a suscitar as potências curativas residentes no espírito, tanto de si próprio quanto do seu paciente, onde se encontra a autêntica possibilidade da saúde holística. Portanto, a medicina deve abrir-se a novas pesquisas nos terrenos imponderáveis do homem para encontrar não somente as razões últimas de seus sofrimentos, mas também os verdadeiros recursos terapêuticos que irão curá-lo definitivamente. E assim a arte médica moderna, deixando de basear-se exclusivamente no quimismo, poderá, enfim, atender ao preceito hipocrático que pedia ao médico, como primeiro mandamento, nunca prejudicar, e como segundo, ser um assistente da força curativa em ação na intimidade de cada enfermo, o que o pai da medicina denominava de Phýsis – a natureza orgânica.
Para quem é capaz de perceber, essa proposta médica já se anuncia nos novos horizontes conceituais, pronta a ensinar ao homem que ele não é uma entidade casual, um mero acidente fenomênico produzido e animado por aleatórias reações biomoleculares, mas sim uma entidade altamente sábia, confeccionada por um domínio abstrato que conhece finalidades e manipula meios para atingi-los, o qual se pode muito bem identificar como sendo o espírito. Essa nova medicina, embasada na visão espiritual da vida e do ser, irá sofrear a excessiva intervenção química e artificial que hoje parece atingir o seu extremo, para buscar soluções mais amenas e naturais, afeitas à organicidade própria da vida, que sempre se mostrou vitoriosa ante as adversidades do planeta. Ela priorizará como essencial no adoecimento e na cura a compreensão do homem como um ser integral, buscando em sua imponderabilidade consciencial as razões últimas para os seus padecimentos. Far-se-á assim uma medicina humanista, aderida prioritariamente ao doente e ao seu mundo emocional, muito mais que à doença em seu sítio orgânico, efeito último de seus distúrbios. Enfim, será uma prática médica que considerará os avanços da especialização e servir-se-á da tecnologia propedêutica disponível, mas aprenderá a ver e tratar o paciente como uma unidade, integrada ao Todo, e exercerá uma atuação sobretudo preventiva. Assim considerada, será a verdadeira medicina da alma, e não apenas a do corpo, como hoje tem sido praticada.
Bafejado por esses anelos, esta obra pretende trazer para os meios acadêmicos evidências de que essa nova visão médica é viável e deve ser levada à sério como caminho de pesquisas. Os diversos artigos aqui apresentados vão desde introduções a medicinas integrativas e complementares, como a homeopatia e a fitoterapia, técnicas terapêuticas inovadoras, como a psicologia transpessoal e a musicoterapia, até os revolucionários conceitos no campo da saúde e da doença, da vida e da morte. São estudos que nos suscitam a existência de um domínio espiritual subjacente, atuante na vida, o qual deve ser considerado determinístico no adoecimento humano e na manutenção de sua saúde.
A despeito de redigido por mestres e doutores, seus textos fazem-se acessíveis a todo estudioso interessado em ampliar conhecimentos, pois os autores se esmeraram ao máximo em evadir-se de terminologia técnica que pudesse dificultar a sua leitura por aqueles que não detêm formação na área de saúde.
Os autores esperam que esta obra alcance a sua finalidade, que é a de estimular todos os afiliados a essa renovadora proposta de compreensão da vida a somar esforços para que espiritualidade se estabeleça como real campo de trabalho na nova medicina que já se anuncia.
Belo Horizonte, outono de 2013
Os organizadores