O Gênese Mosaico na Expressão Ubaldiana

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Como seria O Gênesis Mosaico se fosse escrito nos dia de hoje, e com uma linguagem ubaldiana

 

Munidos dos conceitos aventados por Pietro Ubaldi sobre a criação, torna-se-nos tentador salpicar no Gênesis mosaico terminologias científicas e ubaldianas a fim de torná-lo apaixonadamente acessível à mentalidade de nossos dias. Perdoem-nos a pretensão, se nos atiramos a esse singelo intento, com o risco de macular o sagrado, é por mera intenção de joguetear com as palavras, assomando preciosos conceitos ocultos em suas amofinadas letras. Além do mais, apóiam-nos ombros de um gigante, Pietro Ubaldi.

Não guardamos a menor dúvida, o épico poema mosaico conduz verdades que os tempos não puderam olvidar, por isso pesa-nos assistir ao descaso que a ufania científica de nossos dias lhe impõe. Não deixemos que a incúria espiritual do academicismo moderno continue a abater a transcendente inspiração que o compôs. Retiremos-lhe o bolor dos séculos. Eis como poderia ser isso:

Antes do princípio, criou Deus o Sistema Perfeito e se multiplicou por amor em deuses menores, feitos de Sua substância, mas com liberdade de escolha. Então, muitos deuses menores intencionaram se tornar deuses maiores. O egocentrismo neles se degenerou em egoísmo e parte da criação, abalada em seus fundamentos, ruiu na degradação involutiva, gerando o Anti-Sistema.

E assim, depois do princípio, a substância divina se dividiu e se contraiu em um ponto de dimensão nula e densidade infinita. E, desolado, o Espírito transcendente de Deus pairava sobre o desmoronamento das dimensões originárias, a singularidade inicial. E viu Deus que assim deveria ser.

Então, disse Deus: Expanda-se a substância contraída fazendo nascer o espaço e o tempo. E a grande explosão se fez. E viu Deus que a grande explosão gerava o caos, mas a explosão era necessária.

E Deus separou as forças fundamentais, criando os glúons, os bósons, os grávitons e os fótons. E sob a ação das forças bipartidas, Deus formou os elétrons, os neutrinos, os múons e os quarks. E as partículas se formavam em pares que se aniquilavam, mas Deus, interferindo no conflito dualista, disse: Juntem-se os quarks remanescentes e façam-se os prótons e os nêutrons. E realize-se a nucleossíntese sob a ação das forças nucleares, organizando-se o átomo. E o átomo se organizou em núcleos de prótons e nêutrons e elétrons girando em torno dos núcleos. E viu Deus que era bom. E, assim, o espírito caído, coagulado na energia, se encerrou na matéria. Mas viu Deus que, embora não fosse bom, não havia outro meio de ele prosseguir como individuação de Sua substância.

E Deus separou os fótons do plasma primordial. E disse Deus: Brilhem os fótons! E os fótons irradiaram-se pelos espaços contraídos, em expansão inflacionária. E Deus viu que os fótons livres eram bons e os chamou de luz. E o dualismo se estabeleceu entre a energia e a matéria, inaugurando-se, ao se completar o preliminar ciclo de retração e efervescência, o primeiro dia.

E Disse Deus: Faça-se ainda mais intensa a expansão inflacionária no meio do espaço contraído, e separem-se as forças rebeldes do Anti-Sistema em polaridades complementares e opostas. E se aquietem os elementos na escalada estequiogênica. E assim foi. E foi a tarde e a manhã, o segundo dia.

E Deus disse: Ajuntem-se as nebulosas de hidrogênio em torno de poderosos centros gravitacionais, os buracos negros, e apareçam as grandes galáxias. E assim foi. As galáxias, por efeito da força gravitacional, produziram estrelas, lançando-as através dos espaços. E as estrelas explodiam em supernovas, gerando compostos químicos pesados e sistemas planetários. E viu Deus que isso era bom.

E a energia se degradou e se retificou. E Deus disse: Irradie a energia amadurecida, em forma de raio globular, sobre a matéria bruta, elevando-a à condição de matéria orgânica. E os raios globulares formaram aminoácidos rudimentares na atmosfera dos planetas apropriados para a vida, caindo no seio morno dos mares primitivos. E a partir dos condensados de barro, contaminados pela vida, os procariotes se desenvolveram e produziram suas sementes e se proliferaram, intensamente, nos oceanos dos mundos. E, assim, foi a tarde e a manhã, o terceiro dia.

E Deus disse: Produzam as cianofíceas a clorofila e dissolvam, através da fotossíntese, as densas nuvens carbônicas dos planetas, liberando o oxigênio. E, assim, fez Deus a separação entre a luz e as trevas na atmosfera dos planetas. E assim foi. E Deus acomodou na claridade do firmamento os ciclos planetários, e os luzeiros do céu puderam brilhar com intensidade. E foi a tarde e manhã, o quarto dia.

E Deus falou: Evolua a vida no entrechoque da seleção natural para que o espírito, nela contido, desperte para a consciência de si mesmo. E os seres viventes, multiplicando-se e diferenciando-se nas diversas espécies, evolveram, disseminando-se por todas as terras, mares e ares. Na dura luta pela sobrevivência, eles construíram armas e se adestraram na arte da guerra, criando órgãos, habilitando funções e sedimentando instintos, crescendo e se aprimorando através dos tempos, na laboriosa, mas indispensável, grande batalha da vida. E viu Deus que, apesar dos embates ferozes, a seleção natural era o único meio de fazê-los progredir. E foi a tarde e a manhã, o quinto dia.

E disse Deus: Façamos o espírito acordar para a razão. Domine ele suas forças animalizadas e construa em si a angelitude. E muitos espíritos se fizeram homens. E viu Deus que era muito bom.

E Deus os abençoou e lhes disse: Sujeitai a rebeldia separatista, renunciai ao egoísmo, multiplicai o amor e abraçai a dor para que se refaça a queda do espírito. E viu Deus tudo quanto fizera, e eis que a renúncia e a dor eram os únicos meios possíveis para que se reconquistasse a perfeição perdida. E foi a tarde e a manhã, o sexto dia.

E, assim, foi iniciado o processo de reconstrução da criação desmoronada. Ora, havendo Deus completado o sétimo dia, estabeleceu a mobilidade inercial e o automatismo das Suas leis para que todo o Anti-Sistema, através de ações e reações, retornasse ao seu estado de origem.

Gilson Freire

Belo Horizonte, agosto de 2002

Nota – Esse despretensioso trabalho integra a obra Arquitetura Cósmica, em breve disponível. 

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